sexta-feira, 17 de setembro de 2010

CRÓNICA CASA PIA - FIM DA PRIMEIRA PARTE

Ao fim de 8 anos de processo, 5 de julgamento e 460 sessões realizadas, passando por 4 instalações diferentes, o colectivo de juízes comunicou e tornou pública a sua decisão.
Dos arguidos, apenas a única mulher em julgamento foi absolvida. Todos os outros foram condenados!
Das penas tornadas públicas, nenhuma permite a suspensão da sua execução, significando portanto que, aquando do seu trânsito em julgado, caso se mantenham nestes moldes, os arguidos serão efectivamente presos.
No entanto, estas ainda não são decisões definitivas. Estamos apenas no “fim da primeira parte”. Caberá ainda aos juízes dos tribunais superiores apreciar as questões que lhe forem colocadas pelo Ministério Público e ou Arguidos e Assistentes, reapreciando valorações e interpretações assumidas pelo colectivo que julgou o processo. E essa será, crê-se, uma longa segunda parte.
Seja ou não este o desfecho final, nada retirará ao processo uma característica marcante: Foi (e é) o que mais notícias, mais comentários, mais paixões e mais atenção social recebeu nas últimas décadas.
Pela imensa atenção que mereceu, tornou-se também um símbolo da justiça em Portugal.
Exactamente por essa qualidade que se lhe colou, merecida ou não, há cuidados que deviam ter sido reforçados. Não porque as pessoas envolvidas sejam especiais, mas porque o valor simbólico do processo se tornou incontornável.
Um deles tem a ver com os comentadíssimos atrasos. Se há opinião que se possa dizer generalizada, é, seguramente, a de que este processo peca pela morosidade. Sabendo disso, uma sessão marcada para as 9:30 da manhã devia ter começado a horas. O facto de começar mais de uma hora depois, às 10:48, circunstância amplamente noticiada pelos jornalistas presentes, aumenta estigmas que à justiça não fazem falta.
E aqui as responsabilidades distribuem-se! Seja pelos magistrados, seja pelos meus colegas advogados que, depois da hora de início, ainda se encontravam a dar entrevistas na entrada do Tribunal.
De todos os importantes factos e consequências deste processo, escolher os atrasos pode parecer risível, tanto mais que se trata apenas de avaliar o seu valor simbólico.
A verdade é que os símbolos transportam bem mais importância que aquela que uma visão superficial possa querer fazer parecer. Daí os cuidado especiais que nos devem merecer.
dc@legalwest.eu

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CRÓNICA - À PROCURA DOS VALORES

Terminado que está o período “tradicional” de férias, é altura de fazer a reentrada com uma reflexão.
Durante o mês de Agosto foi impossível escapar às dezenas de desgraçadas notícias que as televisões se encarregaram de fazer chegar.
Devastadores incêndios provocaram por cá as (infelizmente) habituais tragédias, mas na Rússia geraram o absoluto pânico com temperaturas que há mais de mil anos não se conheciam e o número de mortos relacionados com problemas respiratórios a duplicar.
No Paquistão e China, inversamente, milhares de vidas foram levadas pelas avassaladoras cheias. Milhares sim! Não é figura de estilo.
E com tanta calamidade, continuamos todos, mais ou menos dormentes, ocupados com os nossos pequenos dramas, conformados com o facto de que a vida é mesmo assim, e não precisa de mais que uma fugaz atenção nossa.
Temo, com sinceridade, que a humanidade, especialmente nos países mais confortáveis, se tenha imunizado de sentir as verdadeiras tragédias, confundindo prioridades e miseravelmente, subvertendo, desvalorizando, ou mesmo até, perdendo valores.
E aqui assenta a verdadeira reflexão a ter.
Quais são os valores que hoje orientam e dinamizam a sociedade? Que legado estão as gerações a transmitir?
Cada vez mais oiço pessoas que respeito a lançarem alertas sobre este assunto. Há dias, num programa televisivo, o Prof. Érnani Lopes reafirmava-o, inclusive como receita para ultrapassar a crise de que tanto se fala. Entre as várias substituições de paradigma por si defendidas, uma delas era essa. A adopção e cultivo mais veementes dos valores, da integridade e do carácter.
Concordo, como aliás todos farão, com essa necessidade. Mas o desafio não é esse, o de concordar. O desafio real, o que pode de facto trazer algo de novo à equação é o que eu, e todos os outros concordantes, faremos de diferente, no nosso dia-a-dia, já amanhã, para concretizá-lo.
Se é verdade que o esforço individual de cada um, por si só, nada mais é que uma minúscula gota no oceano, não deixa de ser absolutamente incontestável que todas as grandes caminhadas começaram com um passo.
O que tem faltado é a capacidade de, por um lado, acreditar que é possível fazer diferente, e mais importante, fazer melhor.
Por outro, conseguir contagiar!
Finalmente, e sendo este exercício meramente reflexivo, preocupo-me especialmente com todos aqueles que, como eu, são pais.
E essa preocupação prende-se com o facto de, até determinada idade, esses pequenos e maravilhosos seres beberem dos mais velhos, mormente dos pais, as certezas das suas vidas.
São as nossas escolhas – dos pais – que moldam os valores, o carácter, a integridade deles – dos nossos filhos.
Essa responsabilidade é talvez a mais valiosa e importante tarefa para que fomos convocados, e receio não estarmos a ter um desempenho extraordinário.
Quando vemos as novas gerações muito mais preocupadas com o que têm do que com o que são, significa que aqueles que tinham o dever de lhes explicar que essa inversão de valores não lhes trará felicidade, mas apenas bajulação interesseira, devem entregar mais de si a esse esforço.
Vamos arregaçar mangas e fazer obra. Sempre há-de ser mais importante melhorar o que somos do que enriquecer o que temos!
dc@legalwest.eu