terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

CRÓNICA - AS MENSAGENS DA MARTA

A história da Marta não é especialmente inovadora.
De segunda a sexta, Marta trabalhava com mais 4 colegas no escritório da CPS Lda. Convenhamos que não era a mais dedicada funcionária, nem sequer a mais desenvolta da equipa. No entanto, desempenhava o seu papel!
Era hábito da Marta e das suas colegas almoçarem juntas, todas as terças-feiras, na tasquinha do João, restaurantezinho simples, mas acolhedor e em conta.
Religiosamente, lá por volta das 12:30, as 5 amigas/colegas paravam as suas tarefas e saíam para o almoço colectivo da praxe. No escritório, ficavam em suspenso os compromissos profissionais e as zangas com o chefe.
Desde há alguns meses, eram insistentes os diferendos entre Marta e o Sr. Joaquim. Este, homem dos seus cinquenta e muitos, não se dava bem com a rebeldia de Marta. Afinal, era ele o gerente competindo-lhe definir e controlar o bom desempenho de todos os subordinados. Para isso, considerava ele, nenhum mal havia em, de quando em vez, vasculhar as secretárias, e até os haveres pessoais, da sua equipa. Nenhuma altura mais ideal que as horas de almoço de terça-feira, onde sabia que todas estariam na tasquinha do Sr. Joaquim.
Nesse dia, Marta tinha trazido uma carteira grande, tipo saco. Daquelas que as mulheres usam para demonstrar aos homens que é possível sair de manhã e levar “apenas” o equivalente à tralha necessária para uma viagem de um mês. Também por essa razão, não levou a carteira consigo para o restaurante. Pegou em 15 euros, e deixou-a a repousar na sua cadeira de trabalho.
Pouco mais de 10 minutos passavam quando o Sr. Joaquim entrou na sala de Marta. Estava determinado a encontrar algo que confirmasse as suas suspeitas. A insurrecta funcionária andava a virar as suas colegas contra o chefe. Ele sabia-o. Tinha a certeza. Apenas lhe faltavam as provas.
Após uma minuciosa investigação às gavetas da Marta, o Sr. Joaquim decidiu entrar em terreno mais pantanoso. Mas os seus fins justificavam os meios.
Abriu a mala de Marta, encontrou o telemóvel dela e, de imediato, lhe começou a ler as mensagens. As primeiras eram irrelevantes, pelo menos para o que pretendia.
Numa, ficou a saber que o filho de Marta tinha sido expulso da aula de matemática. Na outra, que ao marido de Marta foi diagnosticado um nódulo suspeito, estando a aguardar o resultado da biopsia. Numa terceira, tomou conhecimento que Marta estava ligeiramente atrasada na 7.ª prestação de um crédito pessoal que havia pedido.
Assim continuou até que finalmente se fez luz. Joaquim encontrou uma mensagem que Marta havia enviado às suas colegas, na qual proferia as mais injustas e ofensivas críticas ao seu chefe. Chamava-lhe de parvo para cima, chegando ao ponto de fazer referências redutoras à dimensão de certas partes da sua anatomia.
O Sr. Joaquim, que deveria sentir-se contente por finalmente ter descoberto a prova que lhe faltava, estava apenas e simplesmente irado.
Sem espaço para manobras ou desculpas, despediu Marta, sem apelo nem agravo. O respeito pelo chefe é uma obrigação do funcionário, e a sua falta, justa causa para despedimento. Ele agora tinha a prova!
Muito aconteceu durante os meses seguintes e, hoje, Marta continua a trabalhar na CPS Lda. Quem já lá não está, é o Sr. Joaquim!
Se é verdade que Marta faltou ao respeito ao seu chefe, e isso é não só inadmissível como razão suficiente para ser despedida, é também verdade que essa informação foi obtida de forma ilegal. O Sr. Joaquim não tinha o direito de vasculhar as mensagens pessoais da Marta e, mesmo assim, achou que os fins justificam os meios.
É preciso ser firme e demonstrar que, por muito que por vezes seja injusto ou nos custe, e por muito até que os visados merecessem, os fins não justificam os meios.
Quebrado esse princípio, a viagem colectiva até ao abismo é demasiado veloz.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CRÓNICA - HONRA POR UM TELEMÓVEL

A propósito de uma arrastada “novela” judicial, que agora ganhou novo fôlego, li recentemente um título de jornal onde se questionava para que lado a balança deveria pender, quando se pesassem dois importantes direitos: O da liberdade de expressão e o do direito à honra e bom nome.
Não me apetece contribuir para perpetuar o referido “romance”, pelo que em relação a esse caso não me vou pronunciar.
Aproveito no entanto a deixa, para reflectir sobre o que considero ser, uma desvalorização injusta que o direito à honra e bom nome parece merecer quer da legislação existente, quer da prática jurisprudencial.
Atentemos as seguintes realidades:
A legislação penal Portuguesa prevê que quem imputar factos ou dirigir palavras a outra pessoa, ofensivos da sua honra ou consideração, pode ser punido com pena de prisão até 3 meses.
Já relativamente aos “danos patrimoniais”, prevê a mesma legislação que quem subtrair e se apropriar de coisa alheia, o conhecido furto, pode ser punido com prisão até 3 anos.
Ora na prática o que aqui temos é que se alguém me tirar o telemóvel, sem qualquer tipo de violência que seja, esse alguém poderá vir a ficar preso até 3 anos. Já se a mesma pessoa se dirigir a mim com as mais cruéis e torpes insinuações, ofendendo-me da pior maneira que seja, no máximo poderá ser punido com prisão de 3 meses.
Passamos de 3 meses para 3 anos. É seguramente um passo de gigante.
Não falo pelos outros, mas no que a mim diz respeito, confesso que me importaria muito menos ficar sem o telemóvel, do que ver a minha honra e consideração enxovalhadas por um energúmeno qualquer.
Quero com este exemplo significar, que a honra das pessoas, o seu bom nome e consideração, são cada vez menos valorizados e, consequentemente, protegidos.
Alturas houve, em que o nome das pessoas era a mais preciosa herança que legavam aos descendentes, suplantando a sua importância a qualquer outro activo. Hoje, miseravelmente, esse brio está postergado para uma condição de menor importância, dando-se maior valor a qualquer bugiganga que se guarde lá por casa.
Há que mudar este paradigma!
Que se vão os anéis e fiquem os dedos. Ou melhor, que se vão os telemóveis e fique o que de mais íntimo e inalienável o ser humano tem, a sua dignidade.
Voltando à questão inicial, não deve, por regra, nenhum dos interesses ser subalternizado ao outro. Nem isso é preciso!
O direito à liberdade de expressão, especialmente caro dada a sua juventude em Portugal, é tratado como se a nenhum outro devesse ceder.
Claro está que é inquestionável a sua importância. No entanto, como todos os direitos deve ser usado com responsabilidade, sob pena de, pelas consequências nefastas que o seu abuso vai granjeando, mais cedo ou mais tarde passar de sonho a pesadelo, retirando-se-lhe o brilho que deve ter.