quarta-feira, 16 de março de 2011

CRÓNICA ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA

Assisti ontem, na televisão, a um extenso e interessante programa sobre Nelson Mandela.
Esta impressionante figura marca de forma indelével a história do século XX.
Exemplo de persistência, ousou sair da sua aldeia, para em Joanesburgo procurar vida melhor. Ambicionou, e conseguiu, ser advogado num momento onde não havia escritórios de negros.
Madiba, como lhe chamam, aspirou um país livre, onde cada pessoa contasse com um voto, e contra ventos e marés, perseverou e viu o sonho realizado.
Todos estes factos são impressionantes, merecedores de reflexão, estudo e, a final, de admiração.
Mas, talvez, a decisão que mais contribuiu para o lugar único e invejável que a história lhe reservou, foi o de ser magnânimo, e saber perdoar!
Perceber que, quer ele quer os outros, perderiam mais se não conseguissem pôr o futuro duma nação acima da revolta contra os que, no poder, de tanto os privaram. Jogar o mesmo jogo, retribuir na mesma moeda, poderia, no imediato, apaziguar a alma, mas, a longo prazo, era muito mais o que se destruía do que o que se ganhava.
Quando assumiu a presidência da África do Sul, depois de décadas de cativeiro, não procurou vingança, não procurar ajustar contas com os seus agressores, apenas procurou integrar todos e reconciliar um país.
Será este gesto sublime o que mais marcado na memória colectiva ficará.
O exemplo de Nelson Mandela é, creio, extremamente actual.
A bacia do Mediterrâneo está em mudança. Regimes eternos, com dinheiro e armas, apoios internacionais, caiem à força da “singela” vontade popular.
Depois do rastilho da Tunísia – onde ao que parece, a mulher do ex- presidente terá levado mais de uma tonelada de ouro antes de partir para o exílio, este sim, dourado – toda a região se tem vindo a incendiar.
Exemplo significativo foi a queda de Mubarak no Egipto, pela imensa importância geoestratégica do país. Também, pelas piores razões, a ainda não concluída, mas inevitável, substituição de Kadafi na Líbia. Quantos mortos mais serão necessários para perceber o inevitável?
A todos, sucessores e sucedidos, será útil ter presente o exemplo de Mandela. Nenhuns, seja de que maneira for, poderão ficar a ganhar se priorizarem desígnios de vingança e retaliação.
Claro está que, na maioria destes casos, este grito de revolta das populações é mais que justificado. A subjugação que os vitimou durante décadas, deixará marcas difíceis de apagar.
Há no mundo exemplos abundantes de que as mudanças viradas para o passado acabam por condenar, os que as fazem, a reviver esse passado.
Ter memória é importante, responsabilizar os culpados, também. Não são, no entanto, mais importantes que construir um futuro melhor. Aliás, é exactamente esse o fundamento destas mudanças.
Olhar e usar o exemplo de Mandela é, no momento actual, uma enorme virtude. Seja o mundo capaz de aproveitar as suas referências.

sexta-feira, 4 de março de 2011

CRÓNICA - MELÃO DE OURO E OUTROS RELATOS DE UM PAÍS

Como todos os que acompanham o que escrevo saberão, sou um consistente apologista do aprofundamento e cooperação entre Portugal e países Lusófonos. Sendo todos eles importantes, Angola e Brasil surgem, neste contexto, como os mais destacados, em virtude da pujança actual e potencial das suas economias.

Praticando o que defendo, divido o meu tempo entre esses países. Nesse contexto, regressei a Angola no início do ano. Viagem difícil, porque o choque entre os nossos frios dias de Janeiro e os acolhedores 30º de Luanda, resultaram em amigdalite, condição que teria dispensado de boa vontade.
Porque foi uma viagem invulgar, dedicarei esta crónica não a aspectos técnicos, mas a partilhar convosco curiosidades que encontrei neste país.
• Um dia nas urgências - Desde logo, como estava doente, tive de recorrer a serviços médicos. Contrariando a opinião comum e corrente, confesso que fui muito bem tratado. Cheguei às urgências de uma clínica, privada é facto, passava das 3 da manhã, e recebi cuidados que nada ficaram a dever aos que se recebem em Portugal. Seja no serviço público seja no privado! Atendido com cortesia e profissionalismo, primeiro por uma enfermeira e depois pelo médico de serviço, nenhuma reclamação tenho a fazer. Pelo contrário, diferentemente do que muitas vezes ocorre em Portugal, o contacto foi acolhedor e preocupado, sem ninguém se precisar de por em “bicos de pés”. No final, aqui sim para surpresa minha, a conta foi cerca de € 70,00. Não sendo propriamente de graça, é, mesmo assim, mais barato do que o que se paga nas urgências de grande parte dos hospitais privados em Portugal.
• Lavar carro sai caro – Muitos dos que conhecem Angola, pessoalmente ou por imagens que chegam pela televisão, recordar-se-ão de ver os miúdos, meio despidos, a lavar carros nas ruas das cidades. Essa é, ou era, uma das formas mais comuns de alimentar o orçamento de muitos jovens carenciados de Luanda. Acontece que, actualmente, lavar carros na rua é, proibido. Como consequências, quem for apanhado nesse “acto delinquente”, arrisca-se a ser multado e ver o carro rebocado. Sem apelo ou agravo! E para que não restem dúvidas da gravidade atribuída pelas autoridades, o conjunto coima/bloqueamento/reboque fica na módica quantia de, números redondos, 900 dólares americanos, ou seja, cerca de €700,00. Será uma boa oportunidade para as lavagens automáticas?
• Melão de Ouro – Nestes dias que passei na cidade onde nasci, Luanda, a história do momento girava, imagine-se, à volta de um melão. Sabemos todos que Luanda é uma cidade cara, onde uma refeição normal custa, sem nenhuma dificuldade, mais de USD 50,00. No entanto, mesmo assim, o episódio do melão ia além do razoável. Conta-se em duas palavras. Num dos vários supermercados espalhados pela cidade, um cliente escolheu um melão. Cauteloso, antes de o levar à caixa de pagamento, olhou a etiqueta e viu o preço. O peso era cerca de 4 Kg e o preço, pasme-se, à volta dos USD 100 (números redondos 70 euros). Achando que era um engano, questionou a funcionária que o esclareceu ser, de facto, esse o preço do melão. Mas seria possível um melão custar, num supermercado, mais de € 70,00? Perante a perplexidade, fotografou o melão, com o preço, e colocou na internet. Como que regada por gasolina, a história espalhou-se pela cidade, levando inclusive a acções de fiscalização das autoridades angolanas. Aquele seria, sem dúvida, um melão de ouro.