terça-feira, 25 de janeiro de 2011

CRÓNICA: O BRASIL - PARA ALÉM DO FUTEBOL E SAMBA

Encontrei, há dias, um jornalista da Lusofonia, natural de S. Tomé mas em Portugal há muitos anos, com quem trabalhei no passado.
Cruzamo-nos à porta da Fundação Gulbenkian em Lisboa, onde ele estava a cobrir uma conferência sobre a importância económica da Língua Portuguesa. Trocamos impressões, breves, e cada um seguiu à sua vida. No entanto, é um tema sobre o qual importa reflectir seriamente.
Apreciando os países Lusófonos, consideremos o Brasil. Quase 200 milhões de habitantes, produtor de praticamente tudo, é hoje um importante actor no panorama político-económico internacional. Assumidamente a economia mais relevante da América do Sul, tem sido carinhosamente alcunhada como a “nova potência simpática”, fruto da associação entre o potencial e a forma de estar tão característica do seu povo.
Mas factos são factos. O Brasil está na liga principal da equipa planetária! Desde 2009 que integrou o G20 – habitualmente considerado como o governo informal do mundo – inverteu a sua posição junto do FMI de devedor para credor, sendo uma voz respeitada em qualquer fórum que integre.
Nos últimos anos, com Lula da Silva nas rédeas, a visibilidade do Brasil exponenciou-se. Este novo guru dos países pobres, carismático, elogiado por todos, incluindo Obama, não entrou no poder com este estatuto.
Aquando da sua tomada de posse como presidente, em 2002, muitas e importantes foram as vozes que, internamente, manifestaram o seu receio pelas políticas que seriam adoptadas por Lula, temendo-se uma debandada da classe empresarial e do investimento externo.
Mas assim não foi. Lula, politico na oposição desde sempre, deixou as radicalizações que lhe eram atribuídas na gaveta, e ganhou a confiança dos mercados.
Aliás, vozes entendidas afirmam que a inovação de Lula se prende mais com o estilo, do que propriamente com alterações profundas à politica do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Mas, sendo correcto contextualizar, não é justo desvalorizar o papel de Lula da Silva no actual desempenho do país.
Este homem que se adivinhava de “esquerda intensa” adoptou uma postura de governação mais centrista, mas ainda assim, de esquerda.
Muitas vezes desafiando paradigmas e verdades económicas aparentemente imutáveis, combateu dogmas e motivou uma maior distribuição de riqueza entre as classes altas e as mais desfavorecidas.
E a verdade é que os frutos estão à vista!
Não hostilizar os mercados e ganhar a confiança internacional, mantendo muito do que vinha do passado, não foi um acto de fraqueza, mas sim de inteligência.
Claro que ajudaram as enormes reservas de petróleo entretanto descobertas no país. De igual modo, a explosão do consumo na China, a partir de 2003, foi um tónico importante para as exportações Brasileiras, nomeadamente na agricultura e minério de ferro.
Mas, mesmo para ter sorte, é preciso “pôr-se a jeito”. A realidade que me é transmitida de lá é que este crescimento não é uma bolha prestes a implodir. O enorme fluxo de dólares existente no mercado, tem financiado o crescimento do sector imobiliário, num país onde o deficit habitacional continua a ser significativo. O desemprego é dos mais baixos que se conhecem, havendo, diversamente, escassez de mão-de-obra, em especial, qualificada
Nesta potencia onde os seus 8,5 milhões de Km2 lhe conferem o estatuto de país com a 5.ª maior extensão territorial do mundo, a língua mãe é a mesma que a nossa, o Português.
O valor dessa comunhão é inquestionável, e Portugal, especialmente no momento que atravessa, não deve nem pode, desprezar um valioso património ao qual tão pouca importância tem sido dada. A língua!

dc@legalwest.eu

CRÓNICA – UM NATAL GENEROSO, NO SAPATO

Com altos e baixos, alegrias e sobressaltos, assim se passou mais um ano atribulado. Daqui a uns dias o Natal e, logo de seguida, a entrada em 2011!
Tem sido minha opinião, em diversas conversas e contextos, que os doze meses que se avizinham não serão particularmente simpáticos. Gostava de pensar diferente, mas o que vejo e oiço, não me deixa alternativa.
No entanto, foi com alguma surpresa, mas enorme satisfação, que me apercebi recentemente do actual entusiasmo da indústria do calçado em Felgueiras.
Inicialmente, quando o primeiro empresário me disse que estava sobrecarregado de encomendas, nacionais e estrangeiras, admiti ser apenas caso de excepção a uma indústria que, há bem pouco tempo, lambia as feridas e lutava com sérias dificuldades.
A verdade é que os relatos se repetiram, se generalizaram, e não me restam dúvidas. A indústria do calçado em Felgueiras atravessa, de facto, um período áureo, com encomendas abundantes. Há quem me diga que a actual fase faz lembrar outros, e bons, tempos.
A pergunta que se impõe é, será este fenómeno um “balão de ar” que rapidamente se esgota, ou, pelo contrário, uma realidade duradoura?
A opinião é de que está para durar!
Segundo a melhor das explicações que obtive, falando no terreno com os profissionais do calçado, este afluxo de encomendas deve-se à actual conciliação de vários e simultâneos factores:
Por um lado, o crédito. Como é sabido, a China abastece uma parte significativa do que se consome na Europa – e no mundo.
No entanto, comprar na China implica quantidades e, à cabeça, dinheiro vivo ou garantias financeiras de pagamento. Acontece que, com as dificuldades de obtenção de crédito junto da banca, muitos empresários trocaram as compras na China por compras nacionais. Isso, por si só, traduz-se em muitos milhares de pares de sapatos.
Por outro lado, a China já não é apenas um mercado exportador. Com o extraordinário aumento do seu poder de compra, uma parte significativa da produção fica no mercado interno Chinês. E como o tamanho afinal sempre conta, esses milhões de novos consumidores internos, significam milhões de pares que não saem para o mercado europeu.
Por último, o desaparecimento deste segmento da indústria do calçado, em Itália e Espanha. Por razões diversas, a dificuldade em obter mão-de-obra para estas fábricas é enorme. Nesses países, foi de tal forma crítica, que levou à quase extinção do sector. Em Portugal, essa dificuldade sente-se, mas ainda não atingiu o mesmo peso que nos concorrentes referidos.
A explicação convenceu-me. Não será a única, mas faz sentido.
A realidade é que, por estas e/ou outras razões, o calçado atravessa um período simpático, numa altura em que a desgraça parece um hino.
No entanto, há que saber aproveitar estes momentos de oportunidade. Para preparar o futuro e corrigir o presente.
Uma das queixas constantes que oiço, é a de que não há pessoal para as fábricas. Ao que me é dito, as empresas sofrem uma surreal concorrência do “subsídio de desemprego”, que afasta da vida activa muitos profissionais que bem falta fazem à indústria.
Com os conhecidos números de desemprego no país e as sérias dificuldades financeiras que atravessamos, esta situação espúria merece ser corrigida. E depressa! Ganha o Estado, ganham as empresas, ganha a sociedade!
Também, este é um período de excelência para lançar bases de futuro. O calçado Português tem potencialidades, mas como qualquer outro sector, tem de ser pensado, aprender com o passado, criar e seguir uma estratégia. Viver demasiado vulnerável às marés, é um risco que deve ser diminuído o mais possível.