terça-feira, 29 de novembro de 2011

CRÓNICA – China: tão compradora como vendedora

Estou de regresso de uma viagem ao gigante Asiático – a China.


Ao fim de uma longa viagem aterrei em Pequim, em trânsito para Cantão, pasmado com o desenvolvimento que encontrei. A China de hoje não é a China de há 7 anos, data da minha última visita.

De facto, não há como não ficar surpreendido com este país. Para muitos europeus, especialmente os desatentos, a China representa apenas a origem de produtos acessíveis, sem qualidade, que conquistam mercado à custa de uma mão-de-obra barata e desqualificada.

Mas estão enganados!

A China é, hoje, muito mais do que isso. É um gigante em acelerado crescimento, com produção de qualidade, consumo interno galopante e onde os prédios degradados se fazem substituir, quase instantaneamente, por edifícios espelhados que aspiram furar os céus.

Continua a ter as centenas (de milhar) de motas as percorrer as estradas – e passeios – das cidades, onde todos usam a buzina como se o mundo fosse acabar ou o país tivesse ganho o mundial de futebol.

Mas é também o país onde os aeroportos das cidades mais pequenas são maiores do que os das grandes de Portugal. Onde os efeitos do aumento dos salários fabris se fazem notar no crescimento e melhoria do comércio local e na capacidade de compra crescente.

Para uma Europa em crise, e um Portugal com crescimento estagnado – sendo optimista – chegou a hora de largar paradigmas desactualizados e ver a China, acima de tudo, como uma oportunidade.

Os milhões de cidadãos chineses querem usar o dinheiro que agora lhes começa a crescer no bolso, não apenas para arroz, mas para mimos e excentricidades.

Vi prateleiras cheias de vinhos Australianos, Franceses, Espanhóis, mas nem uma garrafa do nosso óptimo vinho Português.

Vi Camembert e croissants franceses, mas nem um queijo da serra ou pastel de Tentúgal.

Vi ruas repletas de lojas com todas as marcas conhecidas, qual Via Montenapoleone ou, mais modestamente, a nossa Avenida da Liberdade, mas nem uma marca Portuguesa.

Curiosamente, e de forma surpreendente para os preconceitos e mentalidade dos nossos Portugueses, ouvi um industrial Chinês, que tem como clientes algumas das melhores marcas internacionais, demonstrar interesse em comprar (pasme-se) a fábricas portuguesas.

O único receio demonstrado foi no que respeita à qualidade de fabrico!

Ao que parece, o paradigma também já se inverte. Em produtos similares, já são os Chineses a questionar a qualidade de produção dos Portugueses, e não apenas o contrário.

As potencialidades do colosso asiático são conhecidas, reconhecidas, e têm captado as atenções internacionais. Não fosse assim e a Europa não teria recebido o Presidente Hu Jintao, na última cimeira G20, com honras de VIP.

Mas é importante aprofundar o conhecimento ocidental da China, e fazê-lo para além de Pequim ou Xangai.

Para as novas gerações, será uma mais-valia enorme dominar, ainda que minimamente, o mandarim. Nesta viagem comprovei que o inglês é apenas falado por uma franja reduzida de cidadãos. Mesmo em muitos hotéis, aeroportos ou táxis, apenas o mandarim resolve.

Os centros de poder e interesse vão sendo deslocados. Assim o demonstra a história.

E como, nesta matéria, o tamanho conta, a hora da China chegou.

Os primeiros a perceberem as vastas possibilidades que este semi-continente oferece, não tenho dúvidas, encontrarão as suas recompensas.

CRÓNICA – HORIZONTE NUBLADO

“Vamos ficar todos 20 ou 30% mais pobres”. A expressão não é minha, mas ouvi-a um destes dias numa análise aos difíceis tempos vindouros.


Infelizmente os temores, anseios e receios daqueles que nos últimos tempos não têm estado com a cabeça enfiada na areia, ou alternativamente, assobiando para o ar, estão já confirmados.

O actual nível de vida das nossas famílias – que ao que parece não poderíamos ter e certamente não conseguiremos manter – será inexoravelmente reduzido.

Os salários vão, de facto, baixar! E os impostos subir.

Directa e expressamente, os funcionários públicos já choram das perdas que o novo Orçamento de Estado lhes trará. O sector privado seguir-se-lhes-á, inevitavelmente.

Mas desenganem-se os que acreditam na tese: se as compensações serão menores, esforçar-me-ei menos também.

A verdade é radicalmente distinta.

Ganharemos menos, mas teremos de trabalhar mais!

Receberemos menos, mas teremos de poupar mais!

Daremos mais pedindo menos. E isso não é uma escolha, mas uma inevitabilidade, uma necessidade premente.

Já não são estes os tempos em que o crédito sustentava tudo e todos. Também não são, os que permitiam que a esmagadora maioria das famílias vivesse endividada muito para além do razoável. Estes são tempos de não gastar sequer o que se tem e de (re)definir muito bem o que é prioritário ou essencial.

Li um destes dias, atribuído a uma distinta personalidade Portuguesa a quem reconheço enorme bom senso, que Portugal pode correr o risco de desaparecer como país.

É para evitá-lo que todos somos convocados a dar o melhor de nós, mesmo que em troca não recebamos sequer o justo.

Mas tudo o que aqui digo não vai no sentido de promover o comportamento de “come e cala”.

Se o país precisa de todos os seus anónimos para ultrapassar este negro momento histórico, precisa igualmente que aqueles que não o são liderem pelo exemplo.

Aqui, a classe política tem um especial papel a desempenhar! Não é só dar más notícias.

Mas, mesmo doendo e entristecendo, é preferível saber. Vale mais conhecermos o que temos e o que nos espera, do que vivermos numa realidade virtual, ao estilo cinematográfico. Assim, pelo menos, poderemos encontrar caminhos para mudar.

Estas gentes e este povo já antes deram provas de imensa resistência e capacidade. E, ultrapassado o choque, estou certo que será possível encontrar forças para retirar o país na lama em que está atolado.

Portugal é melhor que isto. E voltará a mostrá-lo!

CRÓNICA – O EPÍSODIO ISALTINO

Ao contrário do que gosto, e costumo, fazer em assuntos de natureza jurídica, esta semana escrevo sobre algo de que apenas ouvi falar. Não li os documentos em si, nem conversei com qualquer dos intervenientes. Apenas conheço o que surgiu nos média. E a minha experiência diz-me que, raramente, os média transmitem somente factos.


O que é apanágio é fazerem interpretações, a maior parte das vezes muitíssimo próprias, dos factos ou rumores de que tiveram conhecimento!
Mas feita a ressalva, falemos um pouco sobre o incidente Isaltino Morais.

Na passada quinta-feira, dia 29 de Setembro, o autarca de Oeiras foi conduzido à prisão, por mandado do Juiz. Após um enorme frenesim, acompanhado a par e passo pelos meios de comunicação social, no dia imediatamente a seguir, um novo mandado judicial ordenou a sua libertação. Ultrapassada esta breve interrupção, o fim-de-semana foi já passado em casa.

Este bizarro episódio estranho em si, e empolado pela notoriedade do visado, provocou imediatamente reacções diversas e abundantes.

Se uns, por um lado, brandiam contra a influência dos poderosos que subjugava a independência da judicatura, outros lamentavam apenas o triste estado da administração da justiça, cujos frequentes deslizes arredavam a já de si desfalecida confiança.

Mas vamos então aos factos, para que as opiniões melhor estrutura tenham.

O presidente da câmara de Oeiras, Isaltino Morais, foi condenado em Tribunal pela prática de vários crimes. A decisão, com retoques e modificações, foi sendo alterada pelos Tribunais Superiores, mas subsistiu uma pena de 2 anos de prisão efectiva para cumprir. No entanto, estavam pendentes dois recursos sobre Constitucionalidade, os quais correm num Tribunal “paralelo”, ou seja, o Tribunal Constitucional. Ambos recursos foram aceites com efeito suspensivo.

Ora, o nosso sistema jurídico-penal dispõe que uma decisão apenas transita em julgado, e por isso se torna passível de ser executada, se nenhum recurso suspensivo estiver pendente. Até lá, não há decisão definitiva.

Esta regra, boa, má ou discutível, aplica-se a todos os processos e a todos os arguidos. Sejam eles poderosos ou indigentes.

Ocorre que, faltando apenas as decisões do tribunal Constitucional para tornar a decisão de prender Isaltino definitiva, parece ter havido um lamentável equívoco. Quando um dos recursos foi julgado improcedente, o tribunal de julgamento, considerou a decisão transitada em julgado e, mandou prender o arguido. Acontece que havia um outro recurso ainda por decidir, o qual parece ter passado despercebido. E enquanto esse subsistisse, a decisão, por não ser definitiva, não podia ser cumprida.

Daí a restituição à liberdade, apenas umas horas depois.

Este episódio, que faz muitos rir e outros tantos chorar, obriga a uma reflexão profunda sobre como evitar futuras réplicas.

Um erro é um erro, e todos cometem os seus. Mas neste caso trata-se da liberdade de uma pessoa, e daí a sua gravidade.

Mais relevante ainda, parece-me, é a deterioração da imagem da justiça, e da confiança que os cidadãos nela devem ter.

Quando a linha é muito fina, todos os cuidados são poucos. Porque depois de quebrada já não há remédio.

CRÓNICA – UMA IDENTIDADE INTERCONTINENTAL

O mundo anda agitado nestes últimos anos. Crises em todos os continentes, em todos os blocos, fazem os povos questionar paradigmas que entretanto assumiram. Muito deles, frágeis e sem sólidos alicerces.


A este propósito, achei interessante o artigo escrito no Financial Times por Gideon Rachman. Nele, elabora-se uma teoria sobre a fragilidade do euro. Para esse exercício sugere que se esqueçam as razões macroeconómicas e, simplesmente, se olhe para as notas. Sim, para o papel.
Repararemos que as imagens impressas nas notas de euro são de edifícios imaginários. Tipicamente não é isso que acontece. Aparecem pessoas e lugares reais. Por exemplo as notas de dólar têm a imagem de George Washington, e os rublos russos o teatro Bolshoi.

Segundo o articulista, desta curiosa característica se pode extrapolar para a compreensão da frágil identidade comum da Europa.

De facto, a Europa, na qual Portugal se inclui, participativa e orgulhosamente, não é um espaço uno e homogéneo. Culturalmente, as diferenças são abismais, seja nos simples hábitos de vida, nas mentalidades ou na culinária. Mas isso não impede uma existência Europeia comum. Implica apenas maior esforço de compreensão e tolerância.

De todas, as diferenças linguísticas são, queiramos ou não, as mais constrangedoras de uma maior integração dos povos.

Vejam-se todos os outros grandes blocos federais – Brasil ou Estados Unidos. Não obstante grandes diferenças culturais, a língua única permite uma aproximação que de outra forma dificilmente se alcançaria.

E desta realidade a Lusofonia pode retirar grandes lições!

Os povos lusófonos têm muito de comum, muito a aproximá-los. Não fosse assim e há muito que as distâncias, os preconceitos e os interesses já teriam conseguido rasgar os laços que estoicamente resistem.

Como Luso-Angolano digo convictamente que há muito maior identidade e proximidade entre um Português e um Angolano, do que entre um Português e um Sueco, Belga ou Finlandês. E dificilmente alguém me desmentirá, mesmo aqueles Portugueses que nunca visitaram Angola, ou Angolanos que nunca visitaram Portugal.

Essa proximidade e intercontinentalidade da Lusofonia precisa de maior e melhor aproveitamento.

Portugal não deve renunciar ao continente Europeu, os PALOP ao continente Africano, o Brasil ao Americano ou Timor ao Asiático.

Bem pelo contrário. Essa dispersão geográfica, é uma valência cujas múltiplas características identitárias comuns permitem que não se desagregue.

E se, num conto de agradável ficção, fosse criada uma moeda única Lusófona, não seria preciso inventar edifícios ou pessoas imaginárias.

A todos estes povos não causaria estranheza usar notas com a imagem de Camões, a Baía de Luanda, ou o Cristo-Rei carioca.

Essa é uma das vantagens desta histórica identidade.

dc@legalwest.eu