Regressei recentemente de uma visita a Roma e descobri mais uma razão para o Papa e o Vaticano estarem localizados naquela cidade. Sem a bênção divina, a violenta condução dos romanos já há muito teria extinguido quem por lá anda.
Os carros e motas, imensos, que percorrem frenética e incessantemente a cidade, não param por, nem para, nada. Se um desavisado cidadão consider
ar que pode atravessar uma estrada na passadeira, sem perigos, desengane-se.
Usar passadeiras em Roma é um exercício de tal forma arriscado que não se recomenda a cardíacos. Param uns, passam outros, apitam todos. As passadeiras na cidade dos Césares são listas brancas pintadas na estrada, sem função ou interesse especial. De todos, recomendo especial atenção às motas. Essas são as mais inquietas e menos tolerantes quanto aos (atrapalhadores) peões.
Utilizo este exemplo caricaturado, mas verdadeiro, para escrever meia dúzia de linhas sobre a civilidade dos nossos condutores.
Creio não me enganar muito se disser que não há em Portugal maior causa de mortos, feridos e prejuízos materiais que os acidentes rodoviários.
Não obstante, a condução temerária continua a granjear simpatias, ou no máximo, leves censuras quase sempre desculpadas com factores de circunstância.
Quem perder algum tempo a ler comentários de estrangeiros que visitaram Portugal, não deixará de encontrar os imensos elogios à gastronomia e as inevitáveis críticas à bélica situação das estradas Portuguesas.
Para além de todos os prejuízos directos que causa tal imagem, há imensos indirectos que bem poderíamos, e deveríamos, evitar.
É certo e sabido que o automóvel é bem mais que um mero meio de locomoção. É também instrumento de afirmação social, factor de integração ou discriminação, vaidade ou vergonha.
Talvez por esta sua característica indirecta – ainda que seguramente mais importante – o condutor compense ao volante as suas frustrações do dia-a-dia. Se o patrão o repreendeu, mais uma buzinadela na estrada. Se o clube de futebol não brilhou, mais uma discussãozita no trânsito. Se o vizinho o rebaixou, mais uma aceleradela para se sentir importante.
Nada disto seria desgraça, se não tivesse consequências. Mas a verdade é que tem!
E essas são mortes, níveis de ansiedade e stress altíssimos, lutas e ofensas anim
ais entre condutores que nem se conhecem e que habitualmente são pessoas cordatas e pacíficas. Enfim exemplos péssimos que todos, incluindo as nossas crianças, assistimos diariamente.
Também, as ruas foram tomadas pelos carros, sendo as pessoas relegadas para segundo plano.
Estaciona-se em cima da passadeira, e as pessoas que se desviem! Estaciona-se em cima dos passeios, e as pessoas que se desviem!
Ou seja, os automóveis que supostamente deveriam servir as pessoas, acabam eles, por ser priorizados e servidos pelas pessoas. Para quem duvidar ou tiver dificuldade em perceber ao que me refiro, sugiro que seja peão por uma semana, especialmente em Lisboa ou no Porto. Se precisar de melhor percepção, então bastar-lhe-á fazer essa experiência com um carrinho de bebé ou com uma cadeira de rodas, para então perceber ao ponto a que esta guerra carros/pessoas chegou, e mais, quem a está a ganhar.Entre verdades e brincadeiras, está na altura de por cada coisa no seu sítio. As ruas são das e para as pessoas. Os carros, serão necessariamente apenas seus instrumentos.