segunda-feira, 22 de março de 2010

CRÓNICA - O PODER DO EXEMPLO


Assistimos, traumatizados, ao mediatizado suicídio de Leandro. Parece que este jovem de Mirandela, com apenas 12 anos, não aguentou mais a humilhação e entregou-se ao Tua.
O país acordou, como que surpreendido, com esta violenta realidade escolar e, entre pedidos de responsabilidade à Escola e aberturas de averiguações nas quais já ninguém acredita, provavelmente o assunto morrerá, também ele, levado pelo rio.
Leandro era aluno, violentado por colegas alunos. Mas não são só eles que soçobram ao dia-a-dia escolar.
Também Luís fez manchetes de jornal. Professor em Sintra, vivia em terror com as aulas de Musica que aí leccionava. Aos 51 anos, parou o carro na ponte 25 de Abril, e atirou-se ao rio.
A primeira vez que me deparei, mais seriamente, com a expressão Bullying, foi há uns anos atrás num processo em tribunal. Fui nomeado para defender uma criança, pré-adolescente, num processo em que lhe eram imputadas uma série de crueldades, graves, que em conjunto com outros tinha infligido a miúdos, ainda mais novos e mais frágeis.
Li o processo antes de conhecer o miúdo e, confesso, fiquei impressionado com o que vinha relatado naquelas páginas. Imaginei um animal precoce, violento e irrecuperável. Afinal não, era apenas um miúdo parvo, influenciável, autor de uma piada sem graça nenhuma, especialmente para os coitados que foram suas vítimas. Mas só isso!
Eu, como quase todos, também já fui criança e também andei na escola.
Sempre houve abusos dos maiores para com os mais pequenos. Sempre houve calduços, “toques-de-orelha”, humilhaçõezitas, mais ou menos mesquinhas. Receio bem, que sempre irão haver!
O que me preocupa, no entanto, é o à vontade com que os insurrectos de agora encaram as suas tropelias. Não há sentimentos de culpa nem receios de consequências. É como se nesta nova era, as coisas fossem assim mesmo.
Mas infelizmente há! E é bom que rapidamente as consequências apareçam, para que se inverta esta maré.
No entanto, a minha preocupação não diminui quando vejo as opções que se apresentam para resolver o problema. Basicamente são de duas naturezas: Uma, mais pseudo-intelectual, defende que as crianças são por natureza irreverentes, que as escolas são (apenas) espaços de recreio e libertação de ansiedades. Por isso, nada se deve fazer de carácter repressivo. Outra, mais radical, inclina-se para o regresso à autoridade da escola, via violência e castigo físico. Se não vai a bem, vai à reguada. Não creio que nenhuma nos traga melhores dias.
É verdade que a irreverência dos jovens não traz desgraça ao mundo, assim como é verdade que as (poucas) reguadas que levei não me deixaram qualquer trauma.
Concordo que um elemento central da inversão deste processo de degradação da vida escolar, e consequentemente das gerações que dela saem, é a disciplina. No entanto, sugiro a todos que aprofundem o significado da palavra. A vertente do castigo físico é apenas uma visão limitada do conceito. Na realidade, disciplina é a instrução a ser administrada a discípulos. Tem a ver com dar o exemplo!
Talvez valha a pena reflectirmos sobre o exemplo que estamos a dar, sobre que discípulos são estes que estamos a deixar, antes de serem tomadas decisões imediatistas e efémeras.
Sendo apenas uma vertente do problema, partilho convosco uma interessante frase de Joubert: “As crianças precisam mais de modelos do que de críticas”

quarta-feira, 10 de março de 2010

CRÓNICA - O ERRO DA COMPENSAÇÃO


Estamos a viver uma era de contestações.
Até o planeta está contestatário, manifestando-se com terramotos, maremotos e inundações.
No caso dele, Planeta, receio que não seja totalmente desprovido de razão.
Por outro lado, vemos contestações sociais das mais diversas. As empresas encerram, os trabalhadores são despedidos, as famílias desesperam. Este é um cenário cada vez mais vulgar, para tristeza de todos.
No caso português, esta semana não foi de boas notícias. Entre comparações com a Grécia e escândalos políticos, diz agora um relatório do EUROSTAT que o desemprego em Portugal já ultrapassou os 10%, barreira psicológica importante.
Neste cenário, todos parecem querer encontrar uma tábua de salvação para o seu problema, adoptando, por vezes, comportamentos que não seriam os mais desejáveis.
Infelizmente, o Estado, em certos aspectos censuráveis, lidera pelo exemplo.
Aproxima-se a altura dos reembolsos de IRS.
Também as empresas, mensal ou trimestralmente, deparam-se com o que se tornou o calvário dos reembolsos de IVA.
Quer num caso quer no outro, é dinheiro dos contribuintes, que se veio a demonstrar ter sido pago em excesso, e por isso, deverá ser devolvido.
Acontece que, fruto de uma má interpretação, que conduziu a uma má prática, o fisco tem em muitos casos privado os beneficiários do reembolso do seu dinheiro, usando uma figura da lei chamada de COMPENSAÇÃO.
Esta figura, quando bem aplicada, não só não tem nada de mal como é muito útil. Em palavras simples, o que ela permite é que, sempre que o Fisco tenha que devolver dinheiro a um contribuinte que deve impostos ao Estado, e não os paga, pode a máquina fiscal usar o dinheiro do reembolso para, digamos assim, saldar as suas contas. Até aí, nada a apontar.
Acontece que, nem sempre os valores reclamados pelas finanças são, de facto, devidos.
Há inúmeros casos de enganos, de más avaliações, de erros de cálculo. Todos os conhecemos!
Por isso também, é dado ao contribuinte a oportunidade de se defender desses erros.
Nessa medida, a correcta interpretação da lei, que aliás já está confirmadíssima pelos tribunais, implica que o estado só poderá compensar créditos após estarem ultrapassados os prazos concedidos ao contribuinte para se defender.
Parecerá a todos do mais profundo bom senso! Acontece que o conceito de bom senso não é uniforme, e a máquina fiscal tem-se pago com dinheiro dos reembolsos antes que o contribuinte se possa defender.
Esse comportamento abusivo é ilegal, e deve merecer da parte dos lesados a competente reclamação.
É verdade que o deficit do Estado continua a crescer! O que não se pode fazer é, sem justificação, baixar a dívida do estado à custa do orçamento das pessoas!

sexta-feira, 5 de março de 2010

CRÓNICA - JAMES BAIN - 35 anos de Injusta Prisão

A história de James Bain podia ter sido mais uma entre muitas iguais.
Podia ter entrado nos vinte anos como qualquer semi-adulto. Com as ansiedades e inseguranças naturais dessa altura. Também, com a jovialidade e a força de mover montanhas, natural da idade. Podia ter namorado com as colegas de escola ou trabalho, acompanhado o envelhecer da mãe, ido à missa aos domingos.
Podia ter sentido o vento frio de inverno, o sol quente de verão. Seria normal também que de um desses namoros, surgisse algo mais sério, e o privilégio de ter filhos sobre si recaísse.
Chegaria aos trinta sem a força dos vinte, mas com a maturidade que as responsabilidades trazem. Dedicar-se ia a vencer as adversidades da vida, beijaria os seus filhos de manhã, acompanharia a sua mulher na refeição da noite. Não seria, porventura, feliz nem infeliz. Mas viveria a sua vida.
Entraria nos 40 achando que a vida o surpreendeu. Afinal, corre mais veloz que a sua percepção. Os filhos são agora mais autónomos, mais independentes, mas também, mais problemáticos.
No emprego, ocuparia uma posição de maior responsabilidade. Era já um “sénior”, experiente na sua área, moderador dos conflitos dos novos elementos que, cadenciadamente, iam substituindo os que entravam na reforma.
Entraria nos 50, nostálgico dos seus 20, e 30. Contaria aos amigos, os feitos da juventude. Recordar-se-ia com a mulher dos primeiros anos da vida conjunta, do nascimento dos filhos, das suas primeiras idas à escola, das iniciais palavras, dos primeiros sustos.
Deixaria que a brisa lhe roçasse a cara com as experiencias vividas, e sorriria por umas, choraria por outras.
Mas não foi essa a vida de James Bain!
Aos 19 anos de idade, foi preso!
Acusado de raptar e violar um rapaz de 9 anos, viu nesse fim de adolescência, o seu mundo ruir.
De repente, tudo e todos se viraram contra ele. Deixou de ser um rapaz querido, para passar a ser um pária, uma aberração da sociedade, um vil animal que se aproveitara de uma pequena criancinha.
A verdade, é que não tinha sido ele, facto que apenas foi apurado após 35 longos anos de cárcere.
E por um erro da Justiça, o livro da sua vida viu muitas das mais importantes páginas rasgadas.
Nem tão pouco os 50 mil dólares que receberá, por cada ano passado na prisão, o compensarão da sua perda. Aliás, não é dinheiro o que ele mais anseia. É tão só, sentir o vento da liberdade afagar-lhe o seu rosto de 54 anos, a maior parte dos quais, vividos em injusta reclusão.
Esta triste história não pretende arranjar culpados, ou diminuir a confiança na justiça, que já tão fustigada anda.
Também nos tribunais, o que lá se faz, é feito por homens. E nada há feito por homens que seja imune ao erro.
No entanto, nesta onda, cíclica, onde ora se critica o excesso, ou a falta, de garantias que os processos judiciais comportam, vejo com tristeza uma ânsia desumanizada em condenar, punir. Pensa-se, e mal, que só quem condena faz justiça.
Claro está que, se há vítima, haverá, quase sempre, culpado. Pode é não ser, e não é muitas vezes, quem as circunstâncias fazem parecer que é.
Porque, genericamente, melhor modelo de justiça ainda ninguém foi capaz de apresentar, só há uma forma de evitar que mais erros destes aconteçam. Tratar cada caso com abertura de espírito, e deixar que as provas levem a conclusões.
O problema é que, vezes demais, são as conclusões que andam à procura das provas!