segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

CRÓNICA: Insolvência – Necessidade e Obrigação

Este ano de 2011 aproxima-se do fim!
Para muitos, isso seria uma coisa boa. Foi um ano difícil, penoso e fez reavivar fantasmas e preocupações que muitos pensavam estar mortos e enterrados.
Com o epicentro na crise de 2008, o ano de 2011 foi, parece, o que mais sentiu as ondas de choque. Pelo menos nas pequenas empresas e pessoas com vidas “normais”. Redução de rendimentos, aumento de impostos e as demais agruras que diariamente abrem os telejornais.
Mas parece que esse alívio não se alojou no peito das pessoas. Isto porque, ao que tudo indica, 2012 não será melhor. E de acordo com a opinião de especialistas, será ainda pior.
É bom sair de um tormento, apenas se, não for para entrar num tormento maior!
Certamente por isso, tornou-se corrente no vocabulário popular o uso da palavra: INSOLVÊNCIA. Mas o que é essa realidade?
Determinada pessoa ou organização entra em situação de insolvência quando se depara com uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas. Essa impossibilidade é aferida de modos variados, analisados caso a caso, mas os especialistas têm defendido que deve atender-se ao montante e significado do passivo, quando dessa análise resulte evidente a impossibilidade de cumprimento generalizado das obrigações.
Atenção que, para efeitos de insolvência não releva a mera existência de dívidas. É necessário que se reconheça a impossibilidade de cumprir as obrigações. Significa isto que se alguém, embora tendo património, não quer pagar as suas dívidas, isso não o expõe a um processo de insolvência. Outros mecanismos acautelam tal situação.
Importa esclarecer que o processo de insolvência é, primordialmente, um mecanismo de protecção dos credores, em que estes são chamados a participar no seu desenrolar – nomeadamente na assembleia de credores e na comissão de credores. Da insolvência pode resultar, como muitas vezes acontece, a liquidação do património e repartição do produto pelos credores. Mas pode também, na própria insolvência, optar-se por caminho diverso, nomeadamente a recuperação da empresa e aprovação de um plano de insolvência.
Releva ainda referir que, muito embora, após a declaração da insolvência – acto que inicia o processo, e não que encerra – haja sempre a nomeação de um administrador de insolvência, é possível, e ocorre em várias circunstâncias, que o devedor mantenha a administração da insolvente.
Extremamente importante é reter que a lei obriga o devedor a apresentar-se voluntariamente à insolvência, sob pena dessa omissão poder ter consequências, nomeadamente criminais. Assim, decorridos que estejam 60 dias sobre o conhecimento desse estado de incumprimento, o devedor insolvente tem uma verdadeira obrigação legal de se apresentar à insolvência.
Estas são apenas algumas notas escassas sobre um assunto bem mais vasto, mas que o espaço da coluna limita. Muito há ainda a dizer sobre as consequências pessoais da insolvência, as implicações civis e criminais, e até a distinção entre insolvência de pessoas ou de empresas. Outras crónicas tentarão aprofundar o assunto aqui, apenas, levantado.

dc@legalwest.eu

terça-feira, 29 de novembro de 2011

CRÓNICA – China: tão compradora como vendedora

Estou de regresso de uma viagem ao gigante Asiático – a China.


Ao fim de uma longa viagem aterrei em Pequim, em trânsito para Cantão, pasmado com o desenvolvimento que encontrei. A China de hoje não é a China de há 7 anos, data da minha última visita.

De facto, não há como não ficar surpreendido com este país. Para muitos europeus, especialmente os desatentos, a China representa apenas a origem de produtos acessíveis, sem qualidade, que conquistam mercado à custa de uma mão-de-obra barata e desqualificada.

Mas estão enganados!

A China é, hoje, muito mais do que isso. É um gigante em acelerado crescimento, com produção de qualidade, consumo interno galopante e onde os prédios degradados se fazem substituir, quase instantaneamente, por edifícios espelhados que aspiram furar os céus.

Continua a ter as centenas (de milhar) de motas as percorrer as estradas – e passeios – das cidades, onde todos usam a buzina como se o mundo fosse acabar ou o país tivesse ganho o mundial de futebol.

Mas é também o país onde os aeroportos das cidades mais pequenas são maiores do que os das grandes de Portugal. Onde os efeitos do aumento dos salários fabris se fazem notar no crescimento e melhoria do comércio local e na capacidade de compra crescente.

Para uma Europa em crise, e um Portugal com crescimento estagnado – sendo optimista – chegou a hora de largar paradigmas desactualizados e ver a China, acima de tudo, como uma oportunidade.

Os milhões de cidadãos chineses querem usar o dinheiro que agora lhes começa a crescer no bolso, não apenas para arroz, mas para mimos e excentricidades.

Vi prateleiras cheias de vinhos Australianos, Franceses, Espanhóis, mas nem uma garrafa do nosso óptimo vinho Português.

Vi Camembert e croissants franceses, mas nem um queijo da serra ou pastel de Tentúgal.

Vi ruas repletas de lojas com todas as marcas conhecidas, qual Via Montenapoleone ou, mais modestamente, a nossa Avenida da Liberdade, mas nem uma marca Portuguesa.

Curiosamente, e de forma surpreendente para os preconceitos e mentalidade dos nossos Portugueses, ouvi um industrial Chinês, que tem como clientes algumas das melhores marcas internacionais, demonstrar interesse em comprar (pasme-se) a fábricas portuguesas.

O único receio demonstrado foi no que respeita à qualidade de fabrico!

Ao que parece, o paradigma também já se inverte. Em produtos similares, já são os Chineses a questionar a qualidade de produção dos Portugueses, e não apenas o contrário.

As potencialidades do colosso asiático são conhecidas, reconhecidas, e têm captado as atenções internacionais. Não fosse assim e a Europa não teria recebido o Presidente Hu Jintao, na última cimeira G20, com honras de VIP.

Mas é importante aprofundar o conhecimento ocidental da China, e fazê-lo para além de Pequim ou Xangai.

Para as novas gerações, será uma mais-valia enorme dominar, ainda que minimamente, o mandarim. Nesta viagem comprovei que o inglês é apenas falado por uma franja reduzida de cidadãos. Mesmo em muitos hotéis, aeroportos ou táxis, apenas o mandarim resolve.

Os centros de poder e interesse vão sendo deslocados. Assim o demonstra a história.

E como, nesta matéria, o tamanho conta, a hora da China chegou.

Os primeiros a perceberem as vastas possibilidades que este semi-continente oferece, não tenho dúvidas, encontrarão as suas recompensas.

CRÓNICA – HORIZONTE NUBLADO

“Vamos ficar todos 20 ou 30% mais pobres”. A expressão não é minha, mas ouvi-a um destes dias numa análise aos difíceis tempos vindouros.


Infelizmente os temores, anseios e receios daqueles que nos últimos tempos não têm estado com a cabeça enfiada na areia, ou alternativamente, assobiando para o ar, estão já confirmados.

O actual nível de vida das nossas famílias – que ao que parece não poderíamos ter e certamente não conseguiremos manter – será inexoravelmente reduzido.

Os salários vão, de facto, baixar! E os impostos subir.

Directa e expressamente, os funcionários públicos já choram das perdas que o novo Orçamento de Estado lhes trará. O sector privado seguir-se-lhes-á, inevitavelmente.

Mas desenganem-se os que acreditam na tese: se as compensações serão menores, esforçar-me-ei menos também.

A verdade é radicalmente distinta.

Ganharemos menos, mas teremos de trabalhar mais!

Receberemos menos, mas teremos de poupar mais!

Daremos mais pedindo menos. E isso não é uma escolha, mas uma inevitabilidade, uma necessidade premente.

Já não são estes os tempos em que o crédito sustentava tudo e todos. Também não são, os que permitiam que a esmagadora maioria das famílias vivesse endividada muito para além do razoável. Estes são tempos de não gastar sequer o que se tem e de (re)definir muito bem o que é prioritário ou essencial.

Li um destes dias, atribuído a uma distinta personalidade Portuguesa a quem reconheço enorme bom senso, que Portugal pode correr o risco de desaparecer como país.

É para evitá-lo que todos somos convocados a dar o melhor de nós, mesmo que em troca não recebamos sequer o justo.

Mas tudo o que aqui digo não vai no sentido de promover o comportamento de “come e cala”.

Se o país precisa de todos os seus anónimos para ultrapassar este negro momento histórico, precisa igualmente que aqueles que não o são liderem pelo exemplo.

Aqui, a classe política tem um especial papel a desempenhar! Não é só dar más notícias.

Mas, mesmo doendo e entristecendo, é preferível saber. Vale mais conhecermos o que temos e o que nos espera, do que vivermos numa realidade virtual, ao estilo cinematográfico. Assim, pelo menos, poderemos encontrar caminhos para mudar.

Estas gentes e este povo já antes deram provas de imensa resistência e capacidade. E, ultrapassado o choque, estou certo que será possível encontrar forças para retirar o país na lama em que está atolado.

Portugal é melhor que isto. E voltará a mostrá-lo!

CRÓNICA – O EPÍSODIO ISALTINO

Ao contrário do que gosto, e costumo, fazer em assuntos de natureza jurídica, esta semana escrevo sobre algo de que apenas ouvi falar. Não li os documentos em si, nem conversei com qualquer dos intervenientes. Apenas conheço o que surgiu nos média. E a minha experiência diz-me que, raramente, os média transmitem somente factos.


O que é apanágio é fazerem interpretações, a maior parte das vezes muitíssimo próprias, dos factos ou rumores de que tiveram conhecimento!
Mas feita a ressalva, falemos um pouco sobre o incidente Isaltino Morais.

Na passada quinta-feira, dia 29 de Setembro, o autarca de Oeiras foi conduzido à prisão, por mandado do Juiz. Após um enorme frenesim, acompanhado a par e passo pelos meios de comunicação social, no dia imediatamente a seguir, um novo mandado judicial ordenou a sua libertação. Ultrapassada esta breve interrupção, o fim-de-semana foi já passado em casa.

Este bizarro episódio estranho em si, e empolado pela notoriedade do visado, provocou imediatamente reacções diversas e abundantes.

Se uns, por um lado, brandiam contra a influência dos poderosos que subjugava a independência da judicatura, outros lamentavam apenas o triste estado da administração da justiça, cujos frequentes deslizes arredavam a já de si desfalecida confiança.

Mas vamos então aos factos, para que as opiniões melhor estrutura tenham.

O presidente da câmara de Oeiras, Isaltino Morais, foi condenado em Tribunal pela prática de vários crimes. A decisão, com retoques e modificações, foi sendo alterada pelos Tribunais Superiores, mas subsistiu uma pena de 2 anos de prisão efectiva para cumprir. No entanto, estavam pendentes dois recursos sobre Constitucionalidade, os quais correm num Tribunal “paralelo”, ou seja, o Tribunal Constitucional. Ambos recursos foram aceites com efeito suspensivo.

Ora, o nosso sistema jurídico-penal dispõe que uma decisão apenas transita em julgado, e por isso se torna passível de ser executada, se nenhum recurso suspensivo estiver pendente. Até lá, não há decisão definitiva.

Esta regra, boa, má ou discutível, aplica-se a todos os processos e a todos os arguidos. Sejam eles poderosos ou indigentes.

Ocorre que, faltando apenas as decisões do tribunal Constitucional para tornar a decisão de prender Isaltino definitiva, parece ter havido um lamentável equívoco. Quando um dos recursos foi julgado improcedente, o tribunal de julgamento, considerou a decisão transitada em julgado e, mandou prender o arguido. Acontece que havia um outro recurso ainda por decidir, o qual parece ter passado despercebido. E enquanto esse subsistisse, a decisão, por não ser definitiva, não podia ser cumprida.

Daí a restituição à liberdade, apenas umas horas depois.

Este episódio, que faz muitos rir e outros tantos chorar, obriga a uma reflexão profunda sobre como evitar futuras réplicas.

Um erro é um erro, e todos cometem os seus. Mas neste caso trata-se da liberdade de uma pessoa, e daí a sua gravidade.

Mais relevante ainda, parece-me, é a deterioração da imagem da justiça, e da confiança que os cidadãos nela devem ter.

Quando a linha é muito fina, todos os cuidados são poucos. Porque depois de quebrada já não há remédio.

CRÓNICA – UMA IDENTIDADE INTERCONTINENTAL

O mundo anda agitado nestes últimos anos. Crises em todos os continentes, em todos os blocos, fazem os povos questionar paradigmas que entretanto assumiram. Muito deles, frágeis e sem sólidos alicerces.


A este propósito, achei interessante o artigo escrito no Financial Times por Gideon Rachman. Nele, elabora-se uma teoria sobre a fragilidade do euro. Para esse exercício sugere que se esqueçam as razões macroeconómicas e, simplesmente, se olhe para as notas. Sim, para o papel.
Repararemos que as imagens impressas nas notas de euro são de edifícios imaginários. Tipicamente não é isso que acontece. Aparecem pessoas e lugares reais. Por exemplo as notas de dólar têm a imagem de George Washington, e os rublos russos o teatro Bolshoi.

Segundo o articulista, desta curiosa característica se pode extrapolar para a compreensão da frágil identidade comum da Europa.

De facto, a Europa, na qual Portugal se inclui, participativa e orgulhosamente, não é um espaço uno e homogéneo. Culturalmente, as diferenças são abismais, seja nos simples hábitos de vida, nas mentalidades ou na culinária. Mas isso não impede uma existência Europeia comum. Implica apenas maior esforço de compreensão e tolerância.

De todas, as diferenças linguísticas são, queiramos ou não, as mais constrangedoras de uma maior integração dos povos.

Vejam-se todos os outros grandes blocos federais – Brasil ou Estados Unidos. Não obstante grandes diferenças culturais, a língua única permite uma aproximação que de outra forma dificilmente se alcançaria.

E desta realidade a Lusofonia pode retirar grandes lições!

Os povos lusófonos têm muito de comum, muito a aproximá-los. Não fosse assim e há muito que as distâncias, os preconceitos e os interesses já teriam conseguido rasgar os laços que estoicamente resistem.

Como Luso-Angolano digo convictamente que há muito maior identidade e proximidade entre um Português e um Angolano, do que entre um Português e um Sueco, Belga ou Finlandês. E dificilmente alguém me desmentirá, mesmo aqueles Portugueses que nunca visitaram Angola, ou Angolanos que nunca visitaram Portugal.

Essa proximidade e intercontinentalidade da Lusofonia precisa de maior e melhor aproveitamento.

Portugal não deve renunciar ao continente Europeu, os PALOP ao continente Africano, o Brasil ao Americano ou Timor ao Asiático.

Bem pelo contrário. Essa dispersão geográfica, é uma valência cujas múltiplas características identitárias comuns permitem que não se desagregue.

E se, num conto de agradável ficção, fosse criada uma moeda única Lusófona, não seria preciso inventar edifícios ou pessoas imaginárias.

A todos estes povos não causaria estranheza usar notas com a imagem de Camões, a Baía de Luanda, ou o Cristo-Rei carioca.

Essa é uma das vantagens desta histórica identidade.

dc@legalwest.eu

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PROTOCOLO PORTUGAL ANGOLA - VISTOS

O Governo da República Portuguesa e o Governo da República de Angola, assinaram em 15 de Setembro de 2011 um Protocolo Bilateral que visa a facilitação na obtenção de vistos entre os dois países.
Consulte aqui o PROTOCOLO.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

CRÓNICA – Milão: Feira de marcas

Iniciei esta crónica em Milão, na charmosa Piazza del Duomo.
Muito embora já conhecesse, continuo a surpreender-me com a saudável agitação desta zona da cidade, onde as montras satisfazem a vontade de uns e alimentam o sonho de muitos mais.
É incontestável que as peças expostas em lojas como Armani, Versace ou Prada apaixonam quem para elas olha, mas também lhes desgraçam o orçamento. Seguramente, não é para quem quer, apenas para quem pode. Mas como ver montras ainda é grátis, pelo menos aí, os clientes são muitos.
Mas adiante, não são as montras da Via Montenapoleone o principal motivo deste texto. Desloquei-me a Milão para visitar a feira de calçado MICAM, a qual, segundo dizem clientes meus, é das mais importantes e significativas para as empresas Portuguesas. Também na advocacia, conhecer bem a actividade dos clientes é uma valia que precisa de ser cultivada.
Dispersos por 10 pavilhões, centenas de fabricantes, criadores e distribuidores mostraram o que de melhor se faz na indústria do calçado.
No que às empresas Portuguesas diz respeito, nenhum motivo há para não se orgulharem. Ombreiam de igual para igual com os mais sofisticados produtores mundiais e ninguém, conscientemente, poderá envergonhar-se da presença Lusa na exposição. Nem no design, nem na qualidade dos produtos, nem na ousadia dos “stands”.
Claro que há segmentos nos quais Portugal não tem presença marcante, mas onde está e no que faz, hoje em dia, faz (maioritariamente) bem.
Este cosmopolitismo e dinâmica das empresas Portuguesas, muitas de Felgueiras, explica (em parte) o sucesso do sector do calçado, agora tantas vezes evidenciado pelos responsáveis políticos como grande bandeira de excepção à crise e desemprego que varrem os restantes sectores económicos do país.
Mas um sector actualmente tão usado pelas lideranças políticas para contrariar a tendência de “desgraça” do país, mereceria um maior e melhor acompanhamento dessas mesmas lideranças.
Em Milão, não assisti à presença de qualquer representante do poder político. Muitas vezes não é o que em concreto se vai fazer, mas sim o simbolismo da visita, o alento que ela traz e a mediatização que provoca.
Também ao nível municipal, o acompanhamento dos responsáveis políticos, muitas das vezes in loco, seria uma oportunidade dourada para perceber – na prática – as valências e dificuldades da indústria, permitindo adoptar práticas e políticas mais moldadas às reais necessidades das empresas.
É verdade que a informação hoje abunda e circula por meios diversos, mas a importância da presença, do cara-a-cara, está longe de ser arredada. Isso, é bom não esquecer!
Importante, tendo em conta a minha conhecida insistência na importância da criação e manutenção das marcas, é verificar que a presença portuguesa no certame já não é uma presença de empresas, mas de marcas. Todos os expositores que vi, sem excepção, criaram e promovem os produtos com marca própria, sem embargo de não o fazerem exclusivamente.
Todos os stands estão decorados com a marca da empresa, e muitos deles nem tão pouco fazem referência à empresa em si.
O próprio índice do catálogo editado pela APICCAPS para identificar a presença nacional na feira, está por marcas, não por empresas.
Esta evolução de mentalidade e política empresarial é do maior relevo. Há que saber proteger este novo património, não cedendo (cegamente) a ganhos imediatistas e conjunturais.
Para esse objectivo comum devem confluir vontades empresariais e institucionais, privadas e públicas. Em equipa, a força será maior.


CRÓNICA - GUINÉ-BISSAU, PARTE I

Cheguei à Guiné-Bissau durante a noite.
Como é habitual, África recebeu-me com calor, mesmo às 2 da manhã.

Bissau é, comparando com as restantes capitais lusófonas, uma pequena cidade. O centro conhece-se, numa caminhada. A cidade, ao contrário da imagem que grassa fora do país, é segura, afável e passear a pé não comporta qualquer aventureirismo. Ir, por exemplo, ao supermercado, é fácil e os preços são normais.
Está, no entanto, a crescer ao longo do percurso entre o centro e o aeroporto, uma zona industrial que começa a dar ares de vida e onde empresas chinesas têm feito alguma construção.
Mas Bissau é uma cidade a precisar, urgente e notoriamente, de investimento. As construções coloniais, quase únicas no centro, estão decadentes, semi-abandonadas, descaracterizando a cidade.
Numa economia que vive, especialmente, de receitas de emigrantes, apoios externos e produção de castanha caju, os comércios e pequenas indústrias são rudimentares, muito havendo para fazer.
O salário mínimo, de cerca de 30 euros, é bom exemplo da necessidade de melhorar a economia da Guiné.
Reparei também que, de todos os Palop que conheço, a Guiné é a menos Lusófona das capitais. O que é pena!
Importante para os visitantes é saber que os cartões de crédito de pouco servem no país. Nem o melhor hotel da cidade aceita “pagamento plástico” e as caixas ATM existentes apenas servem para cartões bancários locais. Deve pois o visitante trazer na bagagem dinheiro vivo, muito embora com o cartão de crédito seja possível levantar dinheiro no balcão de alguns bancos.
A verdade é que, passado o impacto inicial, Bissau conquista-nos. Apelando a alguma imaginação sobre o que seria possível fazer, deixamos o sol afagar-nos o rosto, e a simpatia local confortar-nos os corações.
Mas Bissau precisa de investimento e confiança. Nomeadamente externos. Como muito está por fazer, e como é um mercado que não é especialmente procurado pelos empresários estrangeiros, deixa espaço a que o empreendedorismo dos mais ousados possa ser recompensado.
E para um país rodeado de francofonia, onde a presença dos líderes sub-regionais – Senegal e Costa de Marfim – é evidente, os Estados Lusófonos devem estar particularmente empenhados. É verdade que se fala de uma presença Angolana de relevo, que os produtos de consumo básico são, maioritariamente, Portugueses. No entanto, é manifesta a insuficiência do esforço lusófono. Todos, mas especialmente Angola, Brasil e Portugal deveriam apostar mais fortemente nas potencialidades da Guiné-Bissau. Com isso, para além das recompensas directas e imediatas, fortaleciam um espaço e identidade comuns, e com isso fortaleciam-se a si próprios, enquanto conjunto.
Da próxima falo-vos da segunda parte desta viagem, a ida ao arquipélago dos Bijagós, de onde apetece não sair!

CRÓNICA – EUROPA PROCURA ANGOLA COMO PARCEIRO INVESTIDOR

Angola é cada vez mais um importante e respeitado investidor internacional. Potenciando os recursos provenientes do petróleo, tem assumido de forma explícita uma postura de investidor estratégico, com um forte pendor Lusófono.

Na realidade verifica-se que nenhum dos espaços CPLP deixou de ser visitado pelos dólares angolanos. De todos os exemplos, Portugal é o que mais relevo e mediatismo tem assumido!
Parcialmente por assombração de antigos e anacrónicos fantasmas, mas também pela dimensão e sectores para os quais a tomada de posições se tem direccionado. A compra do BPN foi o último episódio desta novela, cujos capítulos ainda se desenrolam.
Seja como for, Portugal apresenta hoje inúmeras oportunidades em saldo. Paradigma é a banca. Peguemos em dois grupos financeiros, ambos também presentes em Angola. Em 2007, quando se projectou uma fusão entre BCP e BPI, os valores por acção avançados rondavam os €3,5 para o BCP e os €6,5 para o BPI. Hoje, o BCP transacciona-se a menos de 10% desse valor (€0,25) e o BPI não chega aos 15% (€0,80).
Das duas, três: ou os valores estavam exagerados na altura, ou muita desgraça aconteceu neste entretanto, ou os valores/acção de hoje estão muitíssimo abaixo do valor real de cada um dos bancos, e por isso uma boa opção de compra.
Talvez a resposta correcta seja mesmo: Um pouco de cada uma das 3 razões!
Não obstante as explicações, existem muitos (bons) projectos em Portugal disponíveis e à procura do financiamento angolano. Por exemplo, o sector imobiliário apresenta reduções significativas e de abundante escolha.
No meu escritório de Lisboa recebo com frequência contactos e dossiers sobre oportunidades de investimento que me pedem que leve para o escritório de Angola, fazendo-os chegar ao tecido empresarial do país.
Apenas alguns conseguem merecer acolhimento, tamanha é a possibilidade de escolha. E, identificada a oportunidade, não é difícil avançar com o projecto de investimento.
Para esta fácil entrada de aplicações de capital estrangeiro em Portugal, contribuem decisivamente as quase inexistentes barreiras burocráticas ao investimento externo. Criar uma empresa e pô-la em total funcionamento pode demorar menos de um mês, bastando uma assinatura do investidor. No que concerne a despesas com formalidades, estas são manifestamente razoáveis, em nada obstando a que, mesmo um pequeno investidor, possa constituir a sua empresa ou fazer o seu investimento imobiliário sem constrangimentos.
Em resumo, estar atento a oportunidades, especialmente em mercados com afinidades múltiplas, pode ser uma estratégia rentável, para além de segura, distribuindo “os ovos por vários cestos”.


CRÓNICA - ADEUS SIMPATIA

Está a chegar o pico do verão, e nota-se.

A verdade é que os quase 40 graus de temperatura lá fora fazem-me escorrer pelo corpo a vontade de mergulhar na papelada dos processos, ou sequer, de aqui escrever sobre assuntos jurídicos.
Hoje vou deter-me no processo de extinção de um dos mais precisos bens que, a meu ver, este país possuía – A simpatia e hospitalidade!
Li há pouco um texto escrito por um antigo colega de curso – que aliás escreve deliciosamente, mesmo quando discordamos do conteúdo – no qual este se debruçava sobre o que parece ser a incomodada recepção que, infelizmente, é apanágio de muitos habitantes das bonitas praias do Algarve nesta altura do ano.
Ao contrário de um caloroso e fidelizante acolhimento, em muitos casos – bem mais que os desejáveis – somos recebidos quase que por favor, de má cara e sem hospitalidade que se digne. Em abono da verdade diga-se que o Algarve não tem exclusivo, apenas se nota mais pela muita gente que recebe no verão.
Seja como for, mantém-se errado!
Já há muito que ando a bradar com esta má sina. Lisboa não é melhor. Dizia hoje uma interveniente de um programa de televisão que a culpa é nossa, dos maltratados. Se num restaurante somos mal servidos, reclamemos. O livro de reclamações obrigatório está lá para isso mesmo.
É verdade. Mas que diabo, não seria preferível evitar a destruição da simpatia e acolhimento naturais, tão característicos deste povo, ao invés de nos conformarmos com a sua perda, e em reacção, passarmos a reclamadores militantes?
Há uns dias entrei num restaurante desta cidade de Felgueiras, com pressa, porque tinha julgamento marcado logo no início da tarde.
Entrei com um cliente, mais uma pessoa e, não havia mesa para três disponível.
Uma funcionária, essa sim atenciosa e profissional, criativamente encontrou uma solução, que permitiria que almoçássemos, ainda assim cumprindo o horário.
Ora, para estranheza de todos, de imediato a proprietária do restaurante, com má cara, repreendeu a dita funcionária pelo arrojo de procurar ser simpática, em moldes que, não sendo escandalosos, foram facilmente presenciados pelos três famintos. Está bom de ver que o almoço nesse dia foi noutro local, muito embora fique registado, com elogio, a atitude da funcionária.
Certamente que ao restaurante não lhe fazem falta clientes – espero – mas não é essa a discussão. Quem escolhe, ou se conforma, com ter um estabelecimento aberto ao público, tem de perceber que os clientes, mesmo os chatos, são o motor que permite justificar abrir a porta todos os dias. Quem não está disposto a acolhê-los, melhor será procurar outra vida.
Muito se diz que Portugal está condenado a ser um país que recebe outros. Seja no turismo, seja nos serviços, o Português deve (re)introduzir no ADN a hospitalidade como característica indispensável para a sua sobrevivência.
Mas convenhamos, mesmo que ser simpático e acolhedor não fosse uma gritante necessidade, sempre seria uma feliz opção.

CRÓNICA: A cidadania e as mentalidades

Felgueiras atravessa um período excepcionalmente bom na sua economia. A indústria do calçado dá sinais de crescimento e tem sido usada pelo poder político nacional como exemplo do que de bom se faz em Portugal.

Mas não é, infelizmente, o que se passa no resto do país.
Nesta altura de grande crise na economia – e temo estarmos apenas no início – oiço todos os dias as mais diversas justificações.
Nas ruas, nos jornais, nos cafés, todos se sentem injustiçados, roubados até, por tudo e por todos, numa vitimização que não resolvendo os problemas, tenta justificá-los. Mas ninguém perde tempo a pensar no que faz e na sua quota-parte de responsabilidade no estado das coisas.
Defendo que a actuação de muitos dos responsáveis políticos e económicos dos últimos anos é, quase, criminosa. A publicitação desmedida do crédito, feita pela banca e apoiada pelos governos, sem cuidar de avaliar as efectivas condições dos que se empenham, contribuiu decisivamente para muitas das desgraças que hoje se choram.
Mas e aqueles que, nas suas vidas, tomaram as decisões erradas? Não lhes caberá avaliar os seus erros, tão-somente para os não voltar a cometer?
Nesta minha “geração dos disparates”, qualquer casal de miúdos de 25 ou 30 anos, em começo de vida e com rendimentos longe de serem seguros ou significativos, compra de imediato casa e carro, mesmo sem ter dinheiro, sequer, para pagar o custo dos impostos e escritura. Como o banco emprestava …..
Depois, entramos em suas casas e vemos uma televisão de última geração em cada divisão, computadores portáteis de top, internet banda larga e 50 canais de televisão. Como estar sempre em contacto se tornou uma obrigação, cada um tem, pelo menos, um ou dois telemóveis, que vão mudando ao ritmo de quem muda de camisa. Não basta ter um telefone. É preciso ter sempre o último modelo.
Ocorre que estas despesas, todas juntas, sufocam as famílias.
E sufocam-nas porque significam gastos superiores aos que, ajuizadamente, se podiam fazer.
A factura dos erros, de todos eles, já foi apresentada e vai ser cobrada dos próximos anos. É altura para perceber os que foram cometidos, para que no futuro possam ser evitados. A culpa dos governos, dos bancos, das grandes empresas (que existe) não afasta a responsabilidade individual de quem presumiu, erradamente, que não é preciso ganhar para gastar.
Essa continua, e continuará a ser a regra. Não se pode gastar o que não se ganha.
Mais cedo ou mais tarde, quem empresta, vem cobrar.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

CRÓNICA - A VIRTUDE LUSÓFONA

É através do humor que muitas das importantes mensagens são transmitidas. E foi esse o modelo que o responsável pela Agencia de Investimento Privado de Angola, Aguinaldo Jaime, escolheu para demonstrar o activo que a língua portuguesa é, ou pode ser, nas relações entre os povos lusófonos. Contava ele que, certa vez, um embaixador de um destes países chegara atrasado a uma audiência agendada consigo. Explicando o atraso, contou-lhe que viera de um encontro com um seu homólogo de língua não portuguesa. Ocorre que, o que deveria ter sido uma conversa de 15 minutos acabou por durar quase 1 hora. Isto porque, para além do tempo que cada um usara a dirigir-se ao outro, foi necessário outro tanto para que os tradutores de cada um dos lados pudessem fazer chegar a mensagem. E com isso, o tempo encolheu!
Foi uma sala cheia a que ouviu atentamente o Ex Presidente Brasileiro Fernando Henrique Cardoso – e para muitos, o pai do programa económico que o Presidente Lula teve o mérito de aproveitar e implementar.
No que acabou também por ser um merecido tributo à obra do Professor Ernâni Lopes, um painel de ilustres lusófonos reuniu-se no Hotel Tivoli, em Lisboa, para comentar as potencialidades do triângulo virtuoso, isto é, Angola, Brasil e Portugal.
Sintomático da importância e atenção que, felizmente, o tema parece começar a merecer dos vários sectores da sociedade, foi também a qualidade da assistência, que entre muitos outros, integrou figuras como Marques Mendes, André Jordan ou Braga de Macedo. Assim como o é o painel de luxo da conferência, integrando figuras como Ramalho Eanes, Ricardo Salgado, os já mencionados Aguinaldo Jaime e Fernando Henrique Cardoso, bem ainda os presidentes de duas das maiores empresas Portuguesas, Zeinal Bava e António Mexia.
Ainda bem! Por vezes é preciso que os oradores emprestem o seu peso e importância à mensagem, para que ela seja ouvida.
A lusofonia é hoje, e este evento foi apenas mais uma confirmação disso mesmo, um gigante de potencial que urge aproveitar. Pena é que, ao longo dos anos, os povos que integram este grandioso espaço não tenham tido dos poderes políticos mais e mais claros sinais que apontem a importância dessa direcção.
Para que melhor se perceba do que falamos, refira-se que os 6 países lusófonos voltados para o Atlântico Sul abarcam e têm condições de excelência para dominar este importante espaço marítimo. E o mar, razão de ser e elemento facilitador da criação do que é hoje o mundo Lusófono, apresenta potencial cujo tamanho ainda não está plenamente percebido. Mas como dizia o ex Presidente Brasileiro, a Lusofonia implica laços importantes não pelo passado, mas pelo futuro.
No seu conjunto, o mundo dos falantes em Português é de enorme relevo. Demonstrou Zeinal Bava que, se fosse um país, seria o 4.º maior do mundo. Mas, mesmo individualmente, integra autênticos gigantes, ou não fosse bom exemplo o facto de, como relembrou FHC, São Paulo ser a cidade do mundo com mais empresas alemãs. Mais do que qualquer cidade na própria Alemanha!
Também Angola, gigante assumido da África Austral, continua a apresentar crescimentos sublinháveis, estando, mesmo nesta altura de crise internacional, com crescimento estimado na ordem dos 6% e um ambicioso programa de reabilitação de estruturas básica. Para todos, a lusofonia é uma vantagem que merece ser aproveitada. Nas palavras de Aguinaldo Jaime, que fez algumas referências à nova lei do Investimento Privado em Angola, a lusofonia deve caminhar cada vez mais para ser um espaço de joint-ventures e parcerias, agregando valor e sedimentando relações. Muito já se tem feito, mas um longo caminho continua à espera de ser trilhado.
Façamos então justiça ao pensamento dessa ilustre figura que foi Ernâni Lopes e trabalhemos todos para materializar a forma como ele entendia a Lusofonia – um projecto portador de futuro!
dc@legalwest.eu

quarta-feira, 16 de março de 2011

CRÓNICA ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA

Assisti ontem, na televisão, a um extenso e interessante programa sobre Nelson Mandela.
Esta impressionante figura marca de forma indelével a história do século XX.
Exemplo de persistência, ousou sair da sua aldeia, para em Joanesburgo procurar vida melhor. Ambicionou, e conseguiu, ser advogado num momento onde não havia escritórios de negros.
Madiba, como lhe chamam, aspirou um país livre, onde cada pessoa contasse com um voto, e contra ventos e marés, perseverou e viu o sonho realizado.
Todos estes factos são impressionantes, merecedores de reflexão, estudo e, a final, de admiração.
Mas, talvez, a decisão que mais contribuiu para o lugar único e invejável que a história lhe reservou, foi o de ser magnânimo, e saber perdoar!
Perceber que, quer ele quer os outros, perderiam mais se não conseguissem pôr o futuro duma nação acima da revolta contra os que, no poder, de tanto os privaram. Jogar o mesmo jogo, retribuir na mesma moeda, poderia, no imediato, apaziguar a alma, mas, a longo prazo, era muito mais o que se destruía do que o que se ganhava.
Quando assumiu a presidência da África do Sul, depois de décadas de cativeiro, não procurou vingança, não procurar ajustar contas com os seus agressores, apenas procurou integrar todos e reconciliar um país.
Será este gesto sublime o que mais marcado na memória colectiva ficará.
O exemplo de Nelson Mandela é, creio, extremamente actual.
A bacia do Mediterrâneo está em mudança. Regimes eternos, com dinheiro e armas, apoios internacionais, caiem à força da “singela” vontade popular.
Depois do rastilho da Tunísia – onde ao que parece, a mulher do ex- presidente terá levado mais de uma tonelada de ouro antes de partir para o exílio, este sim, dourado – toda a região se tem vindo a incendiar.
Exemplo significativo foi a queda de Mubarak no Egipto, pela imensa importância geoestratégica do país. Também, pelas piores razões, a ainda não concluída, mas inevitável, substituição de Kadafi na Líbia. Quantos mortos mais serão necessários para perceber o inevitável?
A todos, sucessores e sucedidos, será útil ter presente o exemplo de Mandela. Nenhuns, seja de que maneira for, poderão ficar a ganhar se priorizarem desígnios de vingança e retaliação.
Claro está que, na maioria destes casos, este grito de revolta das populações é mais que justificado. A subjugação que os vitimou durante décadas, deixará marcas difíceis de apagar.
Há no mundo exemplos abundantes de que as mudanças viradas para o passado acabam por condenar, os que as fazem, a reviver esse passado.
Ter memória é importante, responsabilizar os culpados, também. Não são, no entanto, mais importantes que construir um futuro melhor. Aliás, é exactamente esse o fundamento destas mudanças.
Olhar e usar o exemplo de Mandela é, no momento actual, uma enorme virtude. Seja o mundo capaz de aproveitar as suas referências.

sexta-feira, 4 de março de 2011

CRÓNICA - MELÃO DE OURO E OUTROS RELATOS DE UM PAÍS

Como todos os que acompanham o que escrevo saberão, sou um consistente apologista do aprofundamento e cooperação entre Portugal e países Lusófonos. Sendo todos eles importantes, Angola e Brasil surgem, neste contexto, como os mais destacados, em virtude da pujança actual e potencial das suas economias.

Praticando o que defendo, divido o meu tempo entre esses países. Nesse contexto, regressei a Angola no início do ano. Viagem difícil, porque o choque entre os nossos frios dias de Janeiro e os acolhedores 30º de Luanda, resultaram em amigdalite, condição que teria dispensado de boa vontade.
Porque foi uma viagem invulgar, dedicarei esta crónica não a aspectos técnicos, mas a partilhar convosco curiosidades que encontrei neste país.
• Um dia nas urgências - Desde logo, como estava doente, tive de recorrer a serviços médicos. Contrariando a opinião comum e corrente, confesso que fui muito bem tratado. Cheguei às urgências de uma clínica, privada é facto, passava das 3 da manhã, e recebi cuidados que nada ficaram a dever aos que se recebem em Portugal. Seja no serviço público seja no privado! Atendido com cortesia e profissionalismo, primeiro por uma enfermeira e depois pelo médico de serviço, nenhuma reclamação tenho a fazer. Pelo contrário, diferentemente do que muitas vezes ocorre em Portugal, o contacto foi acolhedor e preocupado, sem ninguém se precisar de por em “bicos de pés”. No final, aqui sim para surpresa minha, a conta foi cerca de € 70,00. Não sendo propriamente de graça, é, mesmo assim, mais barato do que o que se paga nas urgências de grande parte dos hospitais privados em Portugal.
• Lavar carro sai caro – Muitos dos que conhecem Angola, pessoalmente ou por imagens que chegam pela televisão, recordar-se-ão de ver os miúdos, meio despidos, a lavar carros nas ruas das cidades. Essa é, ou era, uma das formas mais comuns de alimentar o orçamento de muitos jovens carenciados de Luanda. Acontece que, actualmente, lavar carros na rua é, proibido. Como consequências, quem for apanhado nesse “acto delinquente”, arrisca-se a ser multado e ver o carro rebocado. Sem apelo ou agravo! E para que não restem dúvidas da gravidade atribuída pelas autoridades, o conjunto coima/bloqueamento/reboque fica na módica quantia de, números redondos, 900 dólares americanos, ou seja, cerca de €700,00. Será uma boa oportunidade para as lavagens automáticas?
• Melão de Ouro – Nestes dias que passei na cidade onde nasci, Luanda, a história do momento girava, imagine-se, à volta de um melão. Sabemos todos que Luanda é uma cidade cara, onde uma refeição normal custa, sem nenhuma dificuldade, mais de USD 50,00. No entanto, mesmo assim, o episódio do melão ia além do razoável. Conta-se em duas palavras. Num dos vários supermercados espalhados pela cidade, um cliente escolheu um melão. Cauteloso, antes de o levar à caixa de pagamento, olhou a etiqueta e viu o preço. O peso era cerca de 4 Kg e o preço, pasme-se, à volta dos USD 100 (números redondos 70 euros). Achando que era um engano, questionou a funcionária que o esclareceu ser, de facto, esse o preço do melão. Mas seria possível um melão custar, num supermercado, mais de € 70,00? Perante a perplexidade, fotografou o melão, com o preço, e colocou na internet. Como que regada por gasolina, a história espalhou-se pela cidade, levando inclusive a acções de fiscalização das autoridades angolanas. Aquele seria, sem dúvida, um melão de ouro.


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

CRÓNICA: O BRASIL - PARA ALÉM DO FUTEBOL E SAMBA

Encontrei, há dias, um jornalista da Lusofonia, natural de S. Tomé mas em Portugal há muitos anos, com quem trabalhei no passado.
Cruzamo-nos à porta da Fundação Gulbenkian em Lisboa, onde ele estava a cobrir uma conferência sobre a importância económica da Língua Portuguesa. Trocamos impressões, breves, e cada um seguiu à sua vida. No entanto, é um tema sobre o qual importa reflectir seriamente.
Apreciando os países Lusófonos, consideremos o Brasil. Quase 200 milhões de habitantes, produtor de praticamente tudo, é hoje um importante actor no panorama político-económico internacional. Assumidamente a economia mais relevante da América do Sul, tem sido carinhosamente alcunhada como a “nova potência simpática”, fruto da associação entre o potencial e a forma de estar tão característica do seu povo.
Mas factos são factos. O Brasil está na liga principal da equipa planetária! Desde 2009 que integrou o G20 – habitualmente considerado como o governo informal do mundo – inverteu a sua posição junto do FMI de devedor para credor, sendo uma voz respeitada em qualquer fórum que integre.
Nos últimos anos, com Lula da Silva nas rédeas, a visibilidade do Brasil exponenciou-se. Este novo guru dos países pobres, carismático, elogiado por todos, incluindo Obama, não entrou no poder com este estatuto.
Aquando da sua tomada de posse como presidente, em 2002, muitas e importantes foram as vozes que, internamente, manifestaram o seu receio pelas políticas que seriam adoptadas por Lula, temendo-se uma debandada da classe empresarial e do investimento externo.
Mas assim não foi. Lula, politico na oposição desde sempre, deixou as radicalizações que lhe eram atribuídas na gaveta, e ganhou a confiança dos mercados.
Aliás, vozes entendidas afirmam que a inovação de Lula se prende mais com o estilo, do que propriamente com alterações profundas à politica do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Mas, sendo correcto contextualizar, não é justo desvalorizar o papel de Lula da Silva no actual desempenho do país.
Este homem que se adivinhava de “esquerda intensa” adoptou uma postura de governação mais centrista, mas ainda assim, de esquerda.
Muitas vezes desafiando paradigmas e verdades económicas aparentemente imutáveis, combateu dogmas e motivou uma maior distribuição de riqueza entre as classes altas e as mais desfavorecidas.
E a verdade é que os frutos estão à vista!
Não hostilizar os mercados e ganhar a confiança internacional, mantendo muito do que vinha do passado, não foi um acto de fraqueza, mas sim de inteligência.
Claro que ajudaram as enormes reservas de petróleo entretanto descobertas no país. De igual modo, a explosão do consumo na China, a partir de 2003, foi um tónico importante para as exportações Brasileiras, nomeadamente na agricultura e minério de ferro.
Mas, mesmo para ter sorte, é preciso “pôr-se a jeito”. A realidade que me é transmitida de lá é que este crescimento não é uma bolha prestes a implodir. O enorme fluxo de dólares existente no mercado, tem financiado o crescimento do sector imobiliário, num país onde o deficit habitacional continua a ser significativo. O desemprego é dos mais baixos que se conhecem, havendo, diversamente, escassez de mão-de-obra, em especial, qualificada
Nesta potencia onde os seus 8,5 milhões de Km2 lhe conferem o estatuto de país com a 5.ª maior extensão territorial do mundo, a língua mãe é a mesma que a nossa, o Português.
O valor dessa comunhão é inquestionável, e Portugal, especialmente no momento que atravessa, não deve nem pode, desprezar um valioso património ao qual tão pouca importância tem sido dada. A língua!

dc@legalwest.eu

CRÓNICA – UM NATAL GENEROSO, NO SAPATO

Com altos e baixos, alegrias e sobressaltos, assim se passou mais um ano atribulado. Daqui a uns dias o Natal e, logo de seguida, a entrada em 2011!
Tem sido minha opinião, em diversas conversas e contextos, que os doze meses que se avizinham não serão particularmente simpáticos. Gostava de pensar diferente, mas o que vejo e oiço, não me deixa alternativa.
No entanto, foi com alguma surpresa, mas enorme satisfação, que me apercebi recentemente do actual entusiasmo da indústria do calçado em Felgueiras.
Inicialmente, quando o primeiro empresário me disse que estava sobrecarregado de encomendas, nacionais e estrangeiras, admiti ser apenas caso de excepção a uma indústria que, há bem pouco tempo, lambia as feridas e lutava com sérias dificuldades.
A verdade é que os relatos se repetiram, se generalizaram, e não me restam dúvidas. A indústria do calçado em Felgueiras atravessa, de facto, um período áureo, com encomendas abundantes. Há quem me diga que a actual fase faz lembrar outros, e bons, tempos.
A pergunta que se impõe é, será este fenómeno um “balão de ar” que rapidamente se esgota, ou, pelo contrário, uma realidade duradoura?
A opinião é de que está para durar!
Segundo a melhor das explicações que obtive, falando no terreno com os profissionais do calçado, este afluxo de encomendas deve-se à actual conciliação de vários e simultâneos factores:
Por um lado, o crédito. Como é sabido, a China abastece uma parte significativa do que se consome na Europa – e no mundo.
No entanto, comprar na China implica quantidades e, à cabeça, dinheiro vivo ou garantias financeiras de pagamento. Acontece que, com as dificuldades de obtenção de crédito junto da banca, muitos empresários trocaram as compras na China por compras nacionais. Isso, por si só, traduz-se em muitos milhares de pares de sapatos.
Por outro lado, a China já não é apenas um mercado exportador. Com o extraordinário aumento do seu poder de compra, uma parte significativa da produção fica no mercado interno Chinês. E como o tamanho afinal sempre conta, esses milhões de novos consumidores internos, significam milhões de pares que não saem para o mercado europeu.
Por último, o desaparecimento deste segmento da indústria do calçado, em Itália e Espanha. Por razões diversas, a dificuldade em obter mão-de-obra para estas fábricas é enorme. Nesses países, foi de tal forma crítica, que levou à quase extinção do sector. Em Portugal, essa dificuldade sente-se, mas ainda não atingiu o mesmo peso que nos concorrentes referidos.
A explicação convenceu-me. Não será a única, mas faz sentido.
A realidade é que, por estas e/ou outras razões, o calçado atravessa um período simpático, numa altura em que a desgraça parece um hino.
No entanto, há que saber aproveitar estes momentos de oportunidade. Para preparar o futuro e corrigir o presente.
Uma das queixas constantes que oiço, é a de que não há pessoal para as fábricas. Ao que me é dito, as empresas sofrem uma surreal concorrência do “subsídio de desemprego”, que afasta da vida activa muitos profissionais que bem falta fazem à indústria.
Com os conhecidos números de desemprego no país e as sérias dificuldades financeiras que atravessamos, esta situação espúria merece ser corrigida. E depressa! Ganha o Estado, ganham as empresas, ganha a sociedade!
Também, este é um período de excelência para lançar bases de futuro. O calçado Português tem potencialidades, mas como qualquer outro sector, tem de ser pensado, aprender com o passado, criar e seguir uma estratégia. Viver demasiado vulnerável às marés, é um risco que deve ser diminuído o mais possível.