quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

CRÓNICA: FILHOS DE MAIS DO QUE UM PAÍS

Muito se tem falado no (semi) recente fluxo de pessoas entre Portugal e Angola. Alguns, regressam à terra que os viu nascer. Outros, são uma nova vaga de emigrantes, qualificados, que trazem competências técnicas importantes para o país. Em recompensa, são melhor remunerados e têm perspectivas de carreira e realização pessoal mais aliciantes.
Esta é a regra, não obstante as sempre presentes excepções.
Alguns destes migrantes, nascidos em Angola ou em Portugal, são portadores das duas nacionalidades, a angolana e a portuguesa.
Há-os em todas as profissões, cores e credos. Encontramo-los entre os cidadãos mais simples, mas também entre os líderes políticos e empresariais. São muitos os que chegam aos aeroportos de Angola e Portugal com os dois passaportes no bolso.
Nenhum mal há nisso! É apenas mais uma prova de que ambos os países estão histórica e indissociavelmente ligados.
Mas, bastantes dúvidas se levantam quanto há obtenção das nacionalidades portuguesa ou angolana. Quais os critérios, qual a legislação aplicável, quais os documentos necessários.
Esta matéria não é, infelizmente, a mais clara de todas. A sucessão de leis da nacionalidade que ambos os países foram tendo em vigor, e sua interpretação, levam a que, numa leitura menos atenta, se criem equívocos e confusões, que melhor será não existirem.
Como tenho recebido vários pedidos de esclarecimento relativamente à obtenção de nacionalidade portuguesa por angolanos, vamos analisar uma das modalidades previstas na legislação portuguesa.
Desde logo, importa ressalvar que, ao contrário duma ideia amplamente enraizada, o nascimento em Portugal não é, por si só, razão para a concessão automática da nacionalidade.
Significa isto que, se um casal de australianos viajarem para Portugal, e cá tiverem um filho, esse filho não é, automaticamente português. Este importante pormenor é generalizadamente desconhecido.
Mas são diversas as formas de obtenção da nacionalidade portuguesa. Entre várias outras, uma das situações que permitem a um cidadão angolano obter a nacionalidade portuguesa é o facto de ter um avô ou avó portugueses.
Há milhares de angolanos nessa situação, netos de portugueses, que não sabem sequer que a lei lhes confere a possibilidade de obterem, também, a nacionalidade portuguesa.
Assim, para todos os angolanos netos de portugueses que pretendam acrescentar mais um passaporte aos seus documentos de viagem, e acabar com o calvário das obtenções de visto, é necessário que, desde logo, esse avô ou avó não tenha perdido a nacionalidade portuguesa.
Também, aqueles que pretendam dar entrada deste pedido, devem provar que conhecem a língua portuguesa e ter um registo criminal sem condenações por crimes graves.
Entre os documentos legalmente exigidos para requerer a nacionalidade portuguesa, estão, naturalmente, os registos de nascimento que comprovem a ligação de parentesco entre o avô e o neto, sendo essencial que, desses documentos, se possa retirar que a filiação entre avô, filho e neto, foram estabelecidas na menoridade.
Aqui fica, em traços largos, um pequeno contributo para esclarecer aqueles para os quais esta matéria é importante, mas, simultaneamente, um enorme enredo de difícil compreensão.

CRÓNICA: NOVA LEI DAS RENDAS

O temido ano de 2012 começou. Entre as suas mudanças, a alteração na lei das rendas mereceu uma especial atenção mediática.
Desde logo, é bom esclarecer que nenhuma lei há, ainda, em vigor.
O conselho de ministros aprovou a proposta de lei, com as intenções do governo, mas que desde este momento até à sua aplicação, ainda passará por vários crivos. Portanto, nada está diferente, para já.
Mas, caso a versão final seja em moldes semelhantes aos do documento agora aprovado, as implicações sociais são várias, e importantes.
A modificação que mais assusta os inquilinos, é a alteração dos prazos do contrato e actualização das rendas antigas. Estas, ou muitas delas, congeladas durante décadas, têm valores irrisórios, que normalmente são inferiores à conta da água ou luz.
A ser como agora se pretende, essas rendas deverão ser aumentadas por acordo directo entre o senhorio e o inquilino.
O senhorio propõe uma nova renda e o inquilino querendo, contrapropõe. Caso não se alcance acordo, o senhorio poderá acabar com o arrendamento, pagando ao inquilino uma indemnização correspondente a 60 rendas, tendo por base o valor médio das duas propostas.
Prevêem-se, no entanto, excepções a esta regra, quer nos casos em que o inquilino tenha mais de 65 anos ou um grau de incapacidade superior a 60%, quer quando o rendimento do agregado for inferior a um valor que actualmente corresponde a cerca de € 2500.
Nestes casos a mudança do regime do arrendamento, bem como a actualização do valor das rendas está sujeito a regras mais cautelosas, com prazos de modificação mais alargados.
Também, novas regras há quanto à tramitação dos despejos e a duração mínima dos contratos. Os antigos contratos “perpétuos” tendem a desaparecer e a liberdade das partes, senhorio e inquilino, contratarem pelo prazo que bem entendam, passará a ser a regra.
Falta agora ver as modificações que ainda poderão ser introduzidas no diploma, antes da sua entrada em vigor. Também, e da maior importância, a aplicabilidade pratica das regras que venham a ser implementadas. Escrever no papel e fazer na vida real, tem o passado demonstrado, são realidades bem diferentes.
Mas, mesmo nesta fase do anúncio, muito se tem dito sobre a “injustiça social” da alteração da lei das rendas. Convenhamos que, muitos dos comentários confundem as funções sociais do Estado com a solidariedade, voluntária, dos privados.
Ninguém é insensível ao facto de, num período tão exigente como o que atravessamos, muitas famílias não estarem preparadas para mais um agravamento dos seus custos. E isso, por atendível, deve ser acautelado, no possível, pelo Estado.
Mas nenhuma justiça há em obrigar, por via legal, um privado, proprietário, a ver um imóvel seu ocupado, eternamente, a troco de meia-dúzia de euros que não pagam, sequer, os impostos que incidem sobre o prédio.
Foi a falta de coragem política, das últimas décadas, que permitiu que se chegasse a este extremo. No centro de Lisboa há muitos apartamentos cujas rendas, ainda hoje, não ultrapassam os 20 euros!
Também, é verdade que, muitos dos senhorios, não fazem nos prédios as obras que deveriam, daí o aspecto decadente de muitas das fachadas, especialmente nas grandes cidades.
Mas, o normal, é cada um se desculpar com o outro. Um não faz obras porque a renda não chega, outro não paga mais porque não tem as obras.
Acabem-se então com as desculpas. O contrato de arrendamento, entre particulares, deve obedecer a regras livres e vontade das partes. Feito nesses moldes, ambos os contraentes estão vinculados, sem pretextos, a cumprir com as suas obrigações.
Claro está que, em matéria de habitação, muitas situações socialmente gravosas há, e que não podem deixar de ser atendidas. No entanto, esse é um trabalho do Estado, de todos nós, em conjunto.
Não é razoável impor esse ónus apenas a alguns, sob a falsa verdade de que quem é senhorio é rico.
Afinal, se é assim que queremos promover o empreendedorismo e a ousadia, certamente ficaremos aquém da sociedade de que tanto precisamos.

CRÓNICA – UM ÚNICO ATLÂNTICO.

Estamos na viragem de mais um ano. Esta altura, normalmente, é aproveitada para balanços e reflexões. Neste ano em particular, creio, ou temo, muito há a reflectir.
Sem querer esquecer a exigente realidade com que nos deparamos, apetece-me recordar que há mais vida para além da lamúria – ou do défice, como outros diziam. Importa que todos, fazendo uma realista análise do que há pela frente, sejamos criativos, ousados e esforçados. Pode não resolver tudo, mas certamente não agrava o que temos.
A esse propósito, uso um exemplo amplamente discutido.
Muitas críticas se têm ouvido relativamente à “sugestão” do primeiro-ministro, quando disse que os milhares de professores, sem perspectivas de emprego em Portugal, deviam olhar para as potencialidades dos mercados Lusófonos. Em especial, Angola e Brasil.
Esqueçamos a forma, melhor ou pior, as subtilezas políticas, mais ou menos conseguidas, e atentemos à substância. Essa sim, a mais relevante.
Feito esse exercício, chegamos à conclusão que a mensagem não é disparate nenhum!
Desde logo, mesmo que Portugal – e a Europa – não atravessasse o momento que atravessa, potenciar a dimensão atlântica, incentivar a Lusofonia, é uma opção estratégica que está longe de ter a atenção que mereceria.
Escrevi há dias que as afinidades entre o povo Português e o Angolano, por exemplo, são bem maiores que as que ligam os Portugueses aos Suecos. Não mudei de opinião!
Mas a realidade, nesta fase, obriga a uma atitude ainda mais terra-a-terra.
O facto, indesmentível e sem vislumbres de mudança a breve trecho, é que não há em Portugal empregos, para os milhares de professores bem preparados que sentem essa vocação. Temos pois, nesta fase, um excesso de recursos, talvez dos melhor preparados de sempre.
E não vale a pena grandes ilusões. No imediato, nem este, nem outros líderes políticos vão encontrar solução que resulte na colocação, cá, de todos estes profissionais.
Já pelo contrário, países como Brasil e Angola, têm tido um crescimento tão rápido que os recursos internos não conseguem acompanhar. Por isso, neles, a procura supera de longe a oferta.
Nos restantes membros da CPLP a situação não é muito distinta, muito embora os níveis de crescimento económico não sejam comparáveis.
Temos pois, um casamento de interesses oportuno e útil para ambas as partes.
Também, nos países onde a oferta de quadros ainda não responde à procura, é preciso não se gerar um sentimento de rejeição quanto a esta (potencial) deslocação/importação de quadros.
Ninguém quer ou vai roubar lugares a ninguém. A verdade é que nenhum país consegue alicerçar verdadeiramente o seu crescimento sem recursos com aptidões técnicas especiais. E quando não os há, internamente, nenhuma reserva deve haver em convidá-los de outros locais.
Obter conhecimento é, e será sempre, uma opção inteligente. Controladamente, mas sem receios infundados, que isso é alimento para os pobres de espírito.
Defendo desde há muitos anos a Lusofonia. Mesmo antes de quaisquer crises. Trabalho nisso, de uma forma ou de outra, desde que iniciei a minha vida profissional.
A crise, parece, está a ter a virtualidade de alertar quem há muito devia estar alertado, para o interesse, igualmente repartido por todos os intervenientes, de apostar neste espaço de língua comum.
Oxalá não sejam os preconceitos, novamente, impeditivos desta aproximação atlântica. Vou fazer esse pedido ao Pai Natal.
Boas Festas para todos!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

CRÓNICA: Insolvência – Necessidade e Obrigação

Este ano de 2011 aproxima-se do fim!
Para muitos, isso seria uma coisa boa. Foi um ano difícil, penoso e fez reavivar fantasmas e preocupações que muitos pensavam estar mortos e enterrados.
Com o epicentro na crise de 2008, o ano de 2011 foi, parece, o que mais sentiu as ondas de choque. Pelo menos nas pequenas empresas e pessoas com vidas “normais”. Redução de rendimentos, aumento de impostos e as demais agruras que diariamente abrem os telejornais.
Mas parece que esse alívio não se alojou no peito das pessoas. Isto porque, ao que tudo indica, 2012 não será melhor. E de acordo com a opinião de especialistas, será ainda pior.
É bom sair de um tormento, apenas se, não for para entrar num tormento maior!
Certamente por isso, tornou-se corrente no vocabulário popular o uso da palavra: INSOLVÊNCIA. Mas o que é essa realidade?
Determinada pessoa ou organização entra em situação de insolvência quando se depara com uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas. Essa impossibilidade é aferida de modos variados, analisados caso a caso, mas os especialistas têm defendido que deve atender-se ao montante e significado do passivo, quando dessa análise resulte evidente a impossibilidade de cumprimento generalizado das obrigações.
Atenção que, para efeitos de insolvência não releva a mera existência de dívidas. É necessário que se reconheça a impossibilidade de cumprir as obrigações. Significa isto que se alguém, embora tendo património, não quer pagar as suas dívidas, isso não o expõe a um processo de insolvência. Outros mecanismos acautelam tal situação.
Importa esclarecer que o processo de insolvência é, primordialmente, um mecanismo de protecção dos credores, em que estes são chamados a participar no seu desenrolar – nomeadamente na assembleia de credores e na comissão de credores. Da insolvência pode resultar, como muitas vezes acontece, a liquidação do património e repartição do produto pelos credores. Mas pode também, na própria insolvência, optar-se por caminho diverso, nomeadamente a recuperação da empresa e aprovação de um plano de insolvência.
Releva ainda referir que, muito embora, após a declaração da insolvência – acto que inicia o processo, e não que encerra – haja sempre a nomeação de um administrador de insolvência, é possível, e ocorre em várias circunstâncias, que o devedor mantenha a administração da insolvente.
Extremamente importante é reter que a lei obriga o devedor a apresentar-se voluntariamente à insolvência, sob pena dessa omissão poder ter consequências, nomeadamente criminais. Assim, decorridos que estejam 60 dias sobre o conhecimento desse estado de incumprimento, o devedor insolvente tem uma verdadeira obrigação legal de se apresentar à insolvência.
Estas são apenas algumas notas escassas sobre um assunto bem mais vasto, mas que o espaço da coluna limita. Muito há ainda a dizer sobre as consequências pessoais da insolvência, as implicações civis e criminais, e até a distinção entre insolvência de pessoas ou de empresas. Outras crónicas tentarão aprofundar o assunto aqui, apenas, levantado.

dc@legalwest.eu

terça-feira, 29 de novembro de 2011

CRÓNICA – China: tão compradora como vendedora

Estou de regresso de uma viagem ao gigante Asiático – a China.


Ao fim de uma longa viagem aterrei em Pequim, em trânsito para Cantão, pasmado com o desenvolvimento que encontrei. A China de hoje não é a China de há 7 anos, data da minha última visita.

De facto, não há como não ficar surpreendido com este país. Para muitos europeus, especialmente os desatentos, a China representa apenas a origem de produtos acessíveis, sem qualidade, que conquistam mercado à custa de uma mão-de-obra barata e desqualificada.

Mas estão enganados!

A China é, hoje, muito mais do que isso. É um gigante em acelerado crescimento, com produção de qualidade, consumo interno galopante e onde os prédios degradados se fazem substituir, quase instantaneamente, por edifícios espelhados que aspiram furar os céus.

Continua a ter as centenas (de milhar) de motas as percorrer as estradas – e passeios – das cidades, onde todos usam a buzina como se o mundo fosse acabar ou o país tivesse ganho o mundial de futebol.

Mas é também o país onde os aeroportos das cidades mais pequenas são maiores do que os das grandes de Portugal. Onde os efeitos do aumento dos salários fabris se fazem notar no crescimento e melhoria do comércio local e na capacidade de compra crescente.

Para uma Europa em crise, e um Portugal com crescimento estagnado – sendo optimista – chegou a hora de largar paradigmas desactualizados e ver a China, acima de tudo, como uma oportunidade.

Os milhões de cidadãos chineses querem usar o dinheiro que agora lhes começa a crescer no bolso, não apenas para arroz, mas para mimos e excentricidades.

Vi prateleiras cheias de vinhos Australianos, Franceses, Espanhóis, mas nem uma garrafa do nosso óptimo vinho Português.

Vi Camembert e croissants franceses, mas nem um queijo da serra ou pastel de Tentúgal.

Vi ruas repletas de lojas com todas as marcas conhecidas, qual Via Montenapoleone ou, mais modestamente, a nossa Avenida da Liberdade, mas nem uma marca Portuguesa.

Curiosamente, e de forma surpreendente para os preconceitos e mentalidade dos nossos Portugueses, ouvi um industrial Chinês, que tem como clientes algumas das melhores marcas internacionais, demonstrar interesse em comprar (pasme-se) a fábricas portuguesas.

O único receio demonstrado foi no que respeita à qualidade de fabrico!

Ao que parece, o paradigma também já se inverte. Em produtos similares, já são os Chineses a questionar a qualidade de produção dos Portugueses, e não apenas o contrário.

As potencialidades do colosso asiático são conhecidas, reconhecidas, e têm captado as atenções internacionais. Não fosse assim e a Europa não teria recebido o Presidente Hu Jintao, na última cimeira G20, com honras de VIP.

Mas é importante aprofundar o conhecimento ocidental da China, e fazê-lo para além de Pequim ou Xangai.

Para as novas gerações, será uma mais-valia enorme dominar, ainda que minimamente, o mandarim. Nesta viagem comprovei que o inglês é apenas falado por uma franja reduzida de cidadãos. Mesmo em muitos hotéis, aeroportos ou táxis, apenas o mandarim resolve.

Os centros de poder e interesse vão sendo deslocados. Assim o demonstra a história.

E como, nesta matéria, o tamanho conta, a hora da China chegou.

Os primeiros a perceberem as vastas possibilidades que este semi-continente oferece, não tenho dúvidas, encontrarão as suas recompensas.

CRÓNICA – HORIZONTE NUBLADO

“Vamos ficar todos 20 ou 30% mais pobres”. A expressão não é minha, mas ouvi-a um destes dias numa análise aos difíceis tempos vindouros.


Infelizmente os temores, anseios e receios daqueles que nos últimos tempos não têm estado com a cabeça enfiada na areia, ou alternativamente, assobiando para o ar, estão já confirmados.

O actual nível de vida das nossas famílias – que ao que parece não poderíamos ter e certamente não conseguiremos manter – será inexoravelmente reduzido.

Os salários vão, de facto, baixar! E os impostos subir.

Directa e expressamente, os funcionários públicos já choram das perdas que o novo Orçamento de Estado lhes trará. O sector privado seguir-se-lhes-á, inevitavelmente.

Mas desenganem-se os que acreditam na tese: se as compensações serão menores, esforçar-me-ei menos também.

A verdade é radicalmente distinta.

Ganharemos menos, mas teremos de trabalhar mais!

Receberemos menos, mas teremos de poupar mais!

Daremos mais pedindo menos. E isso não é uma escolha, mas uma inevitabilidade, uma necessidade premente.

Já não são estes os tempos em que o crédito sustentava tudo e todos. Também não são, os que permitiam que a esmagadora maioria das famílias vivesse endividada muito para além do razoável. Estes são tempos de não gastar sequer o que se tem e de (re)definir muito bem o que é prioritário ou essencial.

Li um destes dias, atribuído a uma distinta personalidade Portuguesa a quem reconheço enorme bom senso, que Portugal pode correr o risco de desaparecer como país.

É para evitá-lo que todos somos convocados a dar o melhor de nós, mesmo que em troca não recebamos sequer o justo.

Mas tudo o que aqui digo não vai no sentido de promover o comportamento de “come e cala”.

Se o país precisa de todos os seus anónimos para ultrapassar este negro momento histórico, precisa igualmente que aqueles que não o são liderem pelo exemplo.

Aqui, a classe política tem um especial papel a desempenhar! Não é só dar más notícias.

Mas, mesmo doendo e entristecendo, é preferível saber. Vale mais conhecermos o que temos e o que nos espera, do que vivermos numa realidade virtual, ao estilo cinematográfico. Assim, pelo menos, poderemos encontrar caminhos para mudar.

Estas gentes e este povo já antes deram provas de imensa resistência e capacidade. E, ultrapassado o choque, estou certo que será possível encontrar forças para retirar o país na lama em que está atolado.

Portugal é melhor que isto. E voltará a mostrá-lo!

CRÓNICA – O EPÍSODIO ISALTINO

Ao contrário do que gosto, e costumo, fazer em assuntos de natureza jurídica, esta semana escrevo sobre algo de que apenas ouvi falar. Não li os documentos em si, nem conversei com qualquer dos intervenientes. Apenas conheço o que surgiu nos média. E a minha experiência diz-me que, raramente, os média transmitem somente factos.


O que é apanágio é fazerem interpretações, a maior parte das vezes muitíssimo próprias, dos factos ou rumores de que tiveram conhecimento!
Mas feita a ressalva, falemos um pouco sobre o incidente Isaltino Morais.

Na passada quinta-feira, dia 29 de Setembro, o autarca de Oeiras foi conduzido à prisão, por mandado do Juiz. Após um enorme frenesim, acompanhado a par e passo pelos meios de comunicação social, no dia imediatamente a seguir, um novo mandado judicial ordenou a sua libertação. Ultrapassada esta breve interrupção, o fim-de-semana foi já passado em casa.

Este bizarro episódio estranho em si, e empolado pela notoriedade do visado, provocou imediatamente reacções diversas e abundantes.

Se uns, por um lado, brandiam contra a influência dos poderosos que subjugava a independência da judicatura, outros lamentavam apenas o triste estado da administração da justiça, cujos frequentes deslizes arredavam a já de si desfalecida confiança.

Mas vamos então aos factos, para que as opiniões melhor estrutura tenham.

O presidente da câmara de Oeiras, Isaltino Morais, foi condenado em Tribunal pela prática de vários crimes. A decisão, com retoques e modificações, foi sendo alterada pelos Tribunais Superiores, mas subsistiu uma pena de 2 anos de prisão efectiva para cumprir. No entanto, estavam pendentes dois recursos sobre Constitucionalidade, os quais correm num Tribunal “paralelo”, ou seja, o Tribunal Constitucional. Ambos recursos foram aceites com efeito suspensivo.

Ora, o nosso sistema jurídico-penal dispõe que uma decisão apenas transita em julgado, e por isso se torna passível de ser executada, se nenhum recurso suspensivo estiver pendente. Até lá, não há decisão definitiva.

Esta regra, boa, má ou discutível, aplica-se a todos os processos e a todos os arguidos. Sejam eles poderosos ou indigentes.

Ocorre que, faltando apenas as decisões do tribunal Constitucional para tornar a decisão de prender Isaltino definitiva, parece ter havido um lamentável equívoco. Quando um dos recursos foi julgado improcedente, o tribunal de julgamento, considerou a decisão transitada em julgado e, mandou prender o arguido. Acontece que havia um outro recurso ainda por decidir, o qual parece ter passado despercebido. E enquanto esse subsistisse, a decisão, por não ser definitiva, não podia ser cumprida.

Daí a restituição à liberdade, apenas umas horas depois.

Este episódio, que faz muitos rir e outros tantos chorar, obriga a uma reflexão profunda sobre como evitar futuras réplicas.

Um erro é um erro, e todos cometem os seus. Mas neste caso trata-se da liberdade de uma pessoa, e daí a sua gravidade.

Mais relevante ainda, parece-me, é a deterioração da imagem da justiça, e da confiança que os cidadãos nela devem ter.

Quando a linha é muito fina, todos os cuidados são poucos. Porque depois de quebrada já não há remédio.