Assisti, com interesse, ao programa televisivo “Prós & Contras” subordinado ao tema das
novas regras do divórcio, recentemente aprovadas pela Assembleia da República.
Começo por um pequeno comentário ao que foi dito no programa, da boca de ilustres juristas, psicólogos e deputados da nação.
A palavra “culpa”dominou o debate. Deve ou não haver o divórcio com culpa, o que significa isso de culpa, é um conceito socialm
ente entendível ou um “instituto jurídico” apenas acessível aos iluminados licenciados em Direito?
Confesso a minha discordância, e até alguma irritação, relativamente ao discurso daqueles que sendo juristas, consideram que as leis não são para serem entendidas pelos comuns cidadãos. Qual linguagem hermética e inescrutável, só deverá ser apreendida pela douta tradução dos profissionais do foro. Nada de mais errado!
As leis destinam-se aos cidadãos comuns, e devem ser elaboradas de forma a por eles serem entendidas. Caso contrário, como poderemos pretender que estes as assimilem
e respeitem?
A culpa no divórcio não é, apenas, um conceito jurídico. Tem sido um elemento integrante da concepção social de casamento, condição para o divórcio na falta de mútuo consentimento.
A questão de saber se assim deve continuar tem muito mais de social do que jurídico, pelo que não pode ser arredado da participação dos seus destinatários.
Objectivamente, o que altera a nova lei?
A alteração mais polemizada é a do artigo 1773.º do Código Civil, cujo texto do n.º 1 deixa de ser O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou litigioso para passar a ser O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.
A consequência da perda da palavra litigioso tem reflexos na completa supressão do teor do artigo 1779.º do Código Civil, que na anterior redacção se referia à violação culposa dos deveres conjugais. Doravante, para decretar o divórcio nada interessa a averiguação de violação culposa dos deveres de respeito, fidelidade, coabitação e assistência.
Para os divórcios que não sejam por vontade expressa de ambos os cônjuges, deixa de ser fundamento a violação culposa dos deveres conjugais, que é substituída pela necessidade da prova de Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Não sendo esta a única das alterações do actual regime do divórcio, parece ser aquela que mais discussão gera.
Inclino-me por preferir a solução que torne desnecessária, para estritos efeitos da dissolução do casamento, a existência e prova de violação culposa dos deveres conjugais.
Sendo de facto o casamento também um contrato, com assunção expressa de direitos e obrigações, entendo-o primordialmente como a concretização de um laço voluntário de afecto. Quebrando-se essa vontade de partilha sentimental, não deve sujeitar-se as, ou a, parte a manter um simulacro apenas porque não consegue provar a violação culposa de deveres.
Não pretendo significar com isto a total banalização de casamentos e divórcios, nem tão pouco desresponsabilizar a quebra do “contrato”. Penso é que isso pode, e deve, melhor ser acautelado noutras sedes, não se utilizando o casamento como sanção para qualquer dos cônjuges.
A nova lei merece correcções relativamente a diversos pontos, mormente no que concerne ao acautelar aspectos de natureza patrimonial, mas neste particular da “culpa” confesso que não me choca.
Pudesse eu influenciar a pena do legislador e seria outra a redacção encontrada – a qual não considero feliz. No entanto, quanto ao princípio subjacente, esse, penso que se adequa mais à realidade da sociedade em que vivemos.
A título de curiosidade fica a referência à alteração do artigo 1585.º do Código Civil. Se antes a afinidade não cessava pela dissolução do casamento, com a nova redacção, não cessa apenas quando a dissolução do casamento é por morte. Acaba-se assim, para os divorciados, com a possibilidade entusiasmante de acumular simultaneamente várias sogras.